No meu entender, existe uma lição implícita na pandemia, já absorvida no século XIX por Humboldt. Ao escalar a montanha do vulcão Chimborazo, ele compreendeu algo que já estava amadurecendo em seu pensamento: os elementos da natureza são interligados, ela é uma rede viva e, portanto, vulnerável…
PUBLICADO ORIGINALMENTE EM O GLOBO E NO SITE DO AUTOR,www.gabeira.com.br, EDIÇÃO DE 17 DE MAIO DE 2021
Já estamos um pouco cansados de falar da pandemia. Quem caiu, quem não caiu, amigo entubado, amigo extubado, CoronaVac, AstraZeneca, vozes abafadas pelas máscaras, CPIs, mentiras e gravações.
Mas a Humanidade tem de enfrentar seus erros e fazer a lição de casa, pois, nas condições de crise ambiental, novas pandemias podem nos atacar.
Um passo importante foi a comissão especial criada pela OMS, que divulgou seu relatório. Nele, o grupo liderado pela ex-primeira-ministra da Nova Zelândia Helen Clark aponta os erros da própria OMS, que perdeu um mês antes de decretar a emergência.
Governos locais — com seu negacionismo, isso conhecemos bem —também foram responsáveis por políticas destruidoras.
Em outras palavras, a tragédia que o mundo vive hoje poderia ter sido evitada. Comissões internacionais como essa são importantes para despertar uma nova consciência. No final da década dos 60, o Clube de Roma publicou um relatório de personalidades políticas alertando para a produção e o consumo insustentáveis. Isso foi um marco.
No meu entender, existe uma lição implícita na pandemia, já absorvida no século XIX por Humboldt. Ao escalar a montanha do vulcão Chimborazo, ele compreendeu algo que já estava amadurecendo em seu pensamento: os elementos da natureza são interligados, ela é uma rede viva e, portanto, vulnerável.
Lição semelhante pode ser transplantada para a política internacional num caso de pandemia. Estamos todos no mesmo barco. Ninguém estará a salvo enquanto todos não estiverem a salvo.
Daí meu apoio à quebra das patentes, mesmo sabendo que o efeito imediato da medida não é tão promissor quanto a distribuição de vacinas por países que têm mais do que necessitam para vacinar sua população.
Essa noção de interdependência deve ser levada também para o plano interno, em que, sem solidariedade, dificilmente atravessaremos a crise.
O governo brasileiro fez tudo errado. Negou a pandemia, resistiu à vacina e contribuiu para que tivéssemos um número absurdo de mortes.
Como se não bastasse isso, o desmatamento na Amazônia atinge números recordes, o Congresso acaba com as leis que definem o licenciamento ambiental.
O processo de destruição da natureza será mais acentuado no Brasil, sem falar no aumento da pobreza, por remarmos contra a corrente mundial que defende a sustentabilidade.
O governo e o Congresso não respeitam o alerta sobre uma exploração sustentável da natureza. E muito menos os conselhos para preservar vidas durante uma pandemia.
Simultaneamente, portanto, criam as bases de uma nova pandemia e estabelecem a política negacionista de um sacrifício humano ainda maior.
A única esperança, se isso merece o nome de esperança, é que não conseguirão destruir tudo nem matar todos os brasileiros até 2022.
É simples: ou deixam o poder, ou acabam com o Brasil.
Fernando Gabeira*– é escritor, jornalista e ex-deputado federal pelo Rio de Janeiro. Atualmente na GloboNews, como comentarista especial. Foi candidato ao Governo do Rio de Janeiro. Articulista para, entre outros veículos, O Estado de S. Paulo e O Globo, onde escreve às segundas.