Procure Saber
Por Fernando Lottenberg*
…O movimento de boicote a Israel prega, de forma aberta, o fim do Estado judeu, endereçando questões complexas do Oriente Médio de forma reducionista, parcial e perigosa. O incitamento à perseguição, por meio de boicotes e sanções, não ajudará a resolver o problema palestino…
Artigo publicado originalmente na Folha de S. Paulo, Tendências/Debates, edição de 15 de novembro de 2015, em resposta ao artigo de Caetano Veloso publicado no mesmo jornal edição de 8 de novembro
Caetano Veloso e Gilberto Gil desafiaram a patrulha do ódio e do preconceito que tentou impedi-los de fazer um show em Israel em julho. Mas, se dez mil israelenses lotaram a arena de Tel Aviv para ouvi-los com admiração e afeto, Caetano não quis ouvir o público israelense.
Uma vez na região, seguiu um roteiro que resultou em um longo artigo publicado nesta Folha, anunciando sua adesão ao boicote contra Israel. Caetano tem todo o direito de criticar políticas do governo de lá. Israelenses e judeus fazem isso com frequência e intensidade. Criticar Israel, obviamente, não torna Caetano – nem ninguém – um antissemita.
Ao se pronunciar informando que não pretende voltar novamente a Israel, Caetano, embora bem-intencionado, endossa exatamente esse tipo de prática que estigmatiza os judeus e fomenta o ódio, afastando as possibilidades de aproximação e de acordo entre as partes.
Mas, com seu artigo, ele acabou por endossar a grande onda antijudaica que varre o mundo, pedindo o boicote ao Estado judeu. O filósofo francês Bernard-Henri Lévy definiu o delírio e a obsessão antissionista dos adversários da existência do Estado de Israel como a expressão contemporânea do antissemitismo. É um tipo de militância de agressividade sem paralelo, num mundo cheio de conflitos e injustiças de toda sorte.
O movimento de boicote a Israel prega, de forma aberta, o fim do Estado judeu, endereçando questões complexas do Oriente Médio de forma reducionista, parcial e perigosa. O incitamento à perseguição, por meio de boicotes e sanções, não ajudará a resolver o problema palestino, mas certamente aumentará entre israelenses e judeus do mundo o sentimento de que o país é ameaçado por uma vizinhança e um mundo cada vez mais hostil – e do qual precisa se proteger.
Basta ver o discurso, os métodos e a iconografia do movimento de boicote contra Israel para identificar as marcas do antissemitismo clássico. A imagem de séculos passados do judeu com sangue nas mãos, diante de indefesas crianças cristãs, foi agora “atualizada” pela imagem do israelense, quase sempre um soldado, também com sangue nas mãos, diante de crianças palestinas.
Uma Corte francesa já qualificou como “crime de ódio e discriminação” as iniciativas de boicote a Israel por parte de um grupo de ativistas na cidade de Limoges. A Corte de Cassação do país confirmou a sentença.
Ao se pronunciar informando que não pretende voltar novamente a Israel, Caetano, embora bem-intencionado, endossa exatamente esse tipo de prática que estigmatiza os judeus e fomenta o ódio, afastando as possibilidades de aproximação e de acordo entre as partes.
Importante lembrar que, nos últimos anos, Israel colocou na mesa, ao menos em três oportunidades, propostas generosas e que atendiam à maior parte das demandas dos palestinos. A resposta, em todas elas, foi negativa – numa delas, seguida de onda de terror brutal contra civis israelenses. Ora, a solução só será atingida por meio de negociações e compromissos dolorosos para ambas as partes, e é preciso ter vontade genuína para negociar e concretizar acordos.
Se os assentamentos israelenses atrapalham uma solução para o conflito – o que é fato – nada justifica esfaqueamentos e atropelamentos de civis inocentes como vemos hoje, nem boicotes cegos e generalizados.
Teria sido possível para Caetano também visitar famílias israelenses destruídas pelo terrorismo palestino indiscriminado mas, ao buscar informações parciais e limitadas, sua conclusão saiu torta.
Caetano deveria voltar ao Oriente Médio outras vezes, para obter uma visão mais completa e equilibrada sobre aquele trágico conflito– sem bandidos ou mocinhos – e poder colaborar para a sua solução.
- Fernando Lottenberg – É presidente da Conib
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