Três cartas. Por Alexandre Schwartsman
Três cartas
Por Alexandre Schwartsman
Temer corre o risco de ter que abrir a segunda carta ainda antes do momento constitucional de escrever as três cartas para seu sucessor.
Artigo publicado originalmente na Folha de S. Paulo, coluna do autor, edição de 13 de julho de 2016
Segundo antiga anedota, o recém-empossado presidente de empresa encontra três cartas deixadas por seu antecessor, com instruções para abri-las apenas em momentos de crise. Quando a crise estoura, ele recorre à primeira, que diz: “ponha a culpa em mim”. Tempos depois, nova crise e a segunda carta, recomendando a mudança de toda diretoria. Já na terceira vez aconselha: “escreva três cartas”.
A administração Temer abriu a primeira, reconhecendo que o déficit primário deste ano deve atingir R$ 170 bilhões (2,7% do PIB) e notando que, na ausência de medidas compensatórias, o déficit de 2017 superaria, com folga, a casa de R$ 200 bilhões (houve menção a um número de R$ 270 bilhões, mas me parece exagerado).
Medidas foram adotadas, trazendo o valor para R$ 194 bilhões, mas o ministro da Fazenda prometeu receitas extraordinárias, originadas de privatizações, concessões e outorgas (impressão minha, ou se tratam essencialmente de sinônimos?), da ordem de R$ 55 bilhões, o que lhe permitiu anunciar uma meta de déficit de R$ 139 bilhões (2,0% do PIB) para 2017.
Estes desenvolvimentos cabem, em larga medida, no escopo da primeira carta. Não é exagero atribuir a piora extraordinária das finanças públicas a ações e omissões do governo anterior, que, conforme o prometido, “fez o diabo” para se reeleger, não só aumentando gastos, mas também fugindo de reformas que pudessem evitar o problema antes que se tornasse, como se tornou, grande demais, fato apontado por muitos economistas com enorme antecedência. A atual equipe econômica herdou terra arrasada no lado fiscal e nos esperam anos de reconstrução à frente.
No entanto, há questões que já pertencem ao atual governo. Por mais que se argumente que o aumento ao funcionalismo já havia sido acordado pela administração ora afastada e que se enquadraria na regra do teto das despesas, não há como concluir que gastar mais possa contribuir de qualquer forma para o ajuste das contas públicas. O mesmo cabe ao acordo com os estados, cujos efeitos serão nefastos.
Apesar disto, a meta de R$ 139 bilhões (de déficit!) foi vendida como vitória da equipe econômica sobre a “ala política” do governo, para quem até R$ 170 bilhões estava de bom tamanho (raciocínio equivalente a concluir que perder da Alemanha por 6×1 seria progresso face àquela inesquecível semifinal).
Não, não foi. O número que interessa é aquele sem as receitas extraordinárias que, diga-se, ninguém sabe de onde virão, ou seja, R$ 194 bilhões (2,9% do PIB). Há pouco espaço para cortes adicionais, é verdade, mas até agora não se viu da atual administração nenhuma medida que sinalizasse austeridade no presente; apenas uma (boa) promessa para o futuro.
Isto aponta para nova batalha em 2018. Mesmo que receitas extraordinárias se materializem em 2017 (um enorme “se”), partiremos de um déficit recorrente de R$ 194 bilhões no ano que vem. A menos que se possam conjurar novas receitas (sabe-se lá de onde), possivelmente veremos piora das contas fiscais para aquele ano, já pressupondo que o teto de despesas exista e seja operacional, mesmo porque se trata de ano eleitoral.
Temer corre o risco de ter que abrir a segunda carta ainda antes do momento constitucional de escrever as três cartas para seu sucessor.
—————————————————————
• * ALEXANDRE SCHWARTSMAN – DOUTOR EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA, BERKELEY, E EX-DIRETOR DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS DO BANCO CENTRAL DO BRASIL É PROFESSOR DO INSPER E SÓCIO-DIRETOR DA SCHWARTSMAN & ASSOCIADOS
@alexschwartsman
aschwartsman@gmail.com