de que morreu FERNANDO PESSOA

O Governador e Fernando Pessoa. Por José Paulo Cavalcanti Filho

O GOVERNADOR E FERNANDO PESSOA

Por José Paulo Cavalcanti Filho

 (Artigo  especial para o Diário de Pernambuco)

São três os mais citados versos de Pessoa. E todos com problemas. O primeiro, “Navegar é preciso, viver não é preciso”, ele nunca escreveu. A sentença Navigare necesse, vivere non est necesse vem de Cneu Pompeu (106-48ac) – que formou, com César e Crasso, o primeiro triunvirato de Roma. Em meio a uma tempestade, e precisando levar trigo da província para a capital, com essas palavras exortou seus marinheiros a que aceitassem os riscos da viagem. Sem contar que a frase acabou lema da Escola de Sagres (anos 1.400/1.500) – para aqueles acreditam mesmo ter existido essa escola.

O segundo verso, “O poeta é um fingidor” (no poema Autopsicografia), não diz o que os leitores pensam que diz. O poeta é um fingidor/ Finge tão completamente/ Que chega a fingir que é dor/ A dor que deveras sente.  Com o verbo fingir retomando, no poema, seu sentido original. Que vem do latim (fingere). Equivalente a modelar em barro, esculpir, construir. Assim está no provérbio Humus de qua finguntur pocula (Terra de que se fazem os venenos). E também está na expressão lusitana, e brasileira, areia de fingir. Aquela usada em construções.

Sem contar que havia, na belle époque de Lisboa, profissão bem conhecida. A dos fingidores – que, com suas colherinhas de fingir, faziam adereços com argamassa nas casas abastadas. O poeta, bem visto, não finge (no sentido de esconder a realidade) uma dor qualquer, mas constrói a dor que sente deveras. De verdade.

O terceiro verso, “Tudo vale a pena se a alma não é pequena” (no poema Mar Português, do livro “Mensagem”), é sempre dito errado por quem nunca o viu nos livros. Com “quando” em vez de “se”. Como se deu agora com o governador de Minas, Fernando Pimentel. Que num discurso em Poços de Caldas, comentando acusações de corrupção contra ele, fez essa troca. “Se a alma não é pequena”, doutor Pimentel. “Se”, pelo amor de Deus…

Tento imaginar o que se passava na cabeça do governador, quando citou a tal frase. “Tudo vale a pena”? O que pretendia verdadeiramente dizer ele com esse “tudo”? Que, a partir de um projeto populista, pode usar à larga dinheiro sujo? Que, por ser amigo de Lula e Dilma, estaria acima do bem e do mal? Que grana, segundo a ética do homem público (das responsabilidades, usando palavras de Max Weber), é sempre solução? Sempre vale a pena? venha de onde vier O Antagonista sugere que, no lugar de “alma”, deveria se ler “propina”. Tudo vale a pena, pois, se a propina não é pequena. Não vou tão longe. Mas bem que ele poderia se explicar.

Por fim, torcendo para que o governador tome gosto pelo poeta português e o cite mais vezes, segue sugestão de frases para dizer em outras ocasiões. “A democracia é o mais estúpido de todos os mitos” (A crise europeia e o futuro império de Israel). “Não sentem: por isso são deputados e financeiros/ Não sentem: para que haveriam de sentir?/ Gado vestido dos currais dos Deuses” (Nuvens). “Todo homem, ou grupo de homens, que manda, tende, em virtude do egoísmo natural da alma humana, a abusar desse mando” (Defesa e justificação da ditadura militar em Portugal). “Aproveitar o tempo!/ O trabalho honesto e superior/ Mas é tão difícil ser honesto ou superior!” (Apostila). “Sou vil, sou reles, como toda a gente,/ Não tenho ideais, mas não os tem ninguém (Barrow-Furness). “A maravilhosa beleza das corrupções políticas” (Opiário).

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jose_paulo_cavalcanti_filho_02José Paulo Cavalcanti Filho É advogado e um dos maiores conhecedores da obra de Fernando Pessoa. Integrou a Comissão da Verdade

jp@jpc.com.br

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