Molhando a mão com desprezo

Por Josué Machado

 Como a necessidade de discrição misturada com repulsa resultam numa lista reveladora

Na Odebrecht, a seção encarregada de fornecer combustível capaz de mover em seu favor a benevolência de políticos e funcionários de estatais foi batizada com o higiênico nome de “Setor de Operações Estruturadas”.

Esse era (ou é?) o setor especializado em conceder a contribuição amaciadora da boa vontade dos nossos representantes, a graxa ou creminho que os impulsiona a mover-se com suavidade entre as engrenagens do governo e das estatais para obter vantagens variadas.

Esse setor produziu uma planilha, apreendida pela Política Federal, com 316 nomes, a maioria políticos em evidência, alguns deles brindados com apelidos carinhosos ou nem tanto:

  • Manuela D’Avila (PCdoB-RS) – Avião

  • Marcelo Nilo (PDT-BA) – Rio

  • Edvaldo Brito (PTB-BA) – Candomblé

  • Daniel Almeida (PCdoB-BA) – Comuna

  • Paulo Magalhães (PSC-BA) – Goleiro

  • Raul Jungmann (PPS-PE) – Bruto

  • Geraldo Júlio (PSB-PE) – Neto

  • Etore Labanca (PSB-PE) – Cacique

  • Fabio Branco (PMDB-RS) – Colorido

  • Mário Kertesz (PMDB-BA) – Roberval

  • Artur Maia (PMDB-BA) – Tuca

  • Jarbas Vasconcelos Filho (PMDB-PE) – Viagra

  • Renan Calheiros (PMDB-AL) – Atleta

  • José Sarney (PMDB-MA) – Escritor

  • Eduardo Paes (PMDB-RJ) – Nervosinho

  • Sergio Cabral (PMDB-RJ) – Proximus

  • Eduardo Cunha (PMDB-RJ) – Carangueijo

  • Jorge Picciani (PMDB-RJ) – Grego

  • Adão Villaverde (PT-RS) – Eva

  • Carlos Todeschini (PT-RS) – Alemão

  • Tarcísio Zimmermann (PT-RS) – Irmão

  • Jairo Jorge (PT-RS) – Nordeste

  • Nelson Pelegrino (PT-BA) – Pelé

  • Humberto Costa (PT-PE) – Drácula

  • Pedro Eugênio (PT-PE) – Droeu

  • Paulo Garcia (PT-GO) – Pastor

  • Lindberg Farias (PT-RJ) – Lindinho

Simpáticas alcunhas de alguns deles, só que no apodo — “Carangueijo” –atribuído ao honrado deputado Eduardo Cunha está sobrando um “i”: o nome do crustáceo que se arrasta de lado é CARANGUEJO.

Claro que essa lista, integrante da planilha completa, não indica ilegalidade em si mesma, porque pelo menos parte das generosas doações pode ter sido legal. Mas por que as alcunhas?

Parece claro que preferiam ocultar as relações talvez perigosas ao manter no anonimato relativo os alvos das contribuições: o segredo é um de seus significados.

O outro significado, não se sabe se consciente, dada a natureza dos cognomes, representa o aparente desprezo que os empresários sentem pelos políticos, muitos deles com frequência à venda, e sem a ajuda dos quais uns e outros não teriam tanto lucro e tantas facilidade$.

De todo modo, um título como “Setor de Operações Estruturadas” constitui modelo de asseio, equilíbrio, imparcialidade, criatividade, indução à inocência, sutileza, neutralidade, enfim:

“Setor de Operações Estruturadas”.

Ninguém desconfiaria de que uma área empresarial assim batizada pudesse ocultar manobras suspeitas dada a inocência burocrática do nome.

Nada da rude crueza de coisas toscas e evidentes como seria numa empresa ordinária algo como: “Seção dos 20%”, “Seção da Graxa”, “Departamento da Vaselina”, “Seção de lavagem”, “Seção do Por-Fora”, da Gorjeta, da Grana Fácil, da Mão Molhada, do Molha-Mão.

Nem de Longe.

Nem ficaria bem numa empresa de fino trato chamar a Área da Bufunfa do Bem Comum de setor da adiafa, da anhapa, do badico, do beberete, da blefaia, da bufunfa, da  cabeça, do café, da changa, da diafa, do emolumento, da espórtula, da gorja, da gorjeta, do gosto, da gruja, da inhapa, do jabaculê, da japa, da lambidela, da lambuja, da lambujem,da  luva, da maquia, do mata-bicho, da molhadela, da molhadura, da mota, do pixuleco, da potaba, da propina, da queijada, da sobrepaga, da xixica.

Não, não e não. Tinha de ser e foi algo sutil, neutro, vago, indefinido, higiênico,  quase refinado e calçado com luvas de seda:

“Setor de Operações Estruturadas”.

Perfeito.

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JOSUE 2Josué Rodrigues Silva Machado, jornalista, autor de “Manual da Falta de Estilo”, Best Seller, SP, 1995; e “Língua sem Vergonha”, Civilização Brasileira, RJ, 2011, livros de avaliação crítica e análise bem-humorada de textos torturados de jornais, revistas, TV, rádio e publicidade.

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