Governo prioriza o poder e leva país ao rebaixamento, diz Schwartsman

 ENTREVISTA PUBLICADA EM O FINANCISTA, 24 DE FEVEREIRO DE 2016

Economista diz que crise política é responsável pela incapacidade do governo melhorar economia

SÃO PAULO – A preocupação do governo em continuar sendo governo, deixando de lado o ajuste fiscal, levou aos seguidos rebaixamentos do rating brasileiro, afirma Alexandre Schwartsman, economista e ex-diretor do Banco Central, em entrevista a O Financista após a Moody’s cortar em dois degraus o rating do país.

A decisão segue a tendência das outras agências de classificação de risco que já colocavam o país no grau especulativo (junk). Na última quarta-feira (17), a Standard & Poor’s rebaixou o rating de BB+ para BB, também com perspectiva negativa.

– Diante disso, Schwartsman considera irrelevante o rebaixamento pela Moody’s, que seguiu a decisão de outras agências. Sem o ajuste fiscal, o economista avalia que o país caminha para um quadro de calote “implícito”, via inflação em patamares muito elevados.

Veja abaixo a entrevista da Alexandre Schwartsman a O Financista:

O Financista: Como o corte em dois graus de uma só vez do rating brasileiro pela Moody’s impacta o ambiente econômico do país?

Alexandre Schwartsman: Zero. Estava na conta, todas as outras já tinham rebaixado. Não tem nenhuma relevância.

O Financista: A Moody’s afirma em relatório que a deterioração do crédito deve continuar ao longo dos próximos três anos e que a dívida pública irá superar 80% do PIB antes da estabilização. Neste cenário, qual a probabilidade de o país dar o calote?

Schwartsman: A probabilidade explícita é baixa. O calote implícito é via inflação e essa possibilidade é muito alta. Estamos a caminho disso. Se não for feito nada a respeito, vamos chegar lá. Já estamos em um caminho que aponta para isso. Ainda existe a opção de tentar tomar medidas que evitem esse caminho, mas nada ainda foi feito.

Como o Brasil basicamente deve em sua própria moeda, não vai ter um default explícito. O que pode ter é garantir que a inflação suba e resolva o problema. Se nada for feito é esse o caminho que nós tomaremos.

O Financista: O que poderia ser feito para evitar o calote implícito, via inflação?

Schwartsman: Um ajuste fiscal. Como? Não faço ideia. Com o Congresso atual, não tem a menor condição desse negócio acontecer. O cenário é inflacionário e a solução inflacionária parece ser a mais razoável. Agora, como o cenário político é fluido, não sabemos o que pode acontecer. Ainda há uma chance de sair desse caminho. Já estamos nesse cenário, o que precisamos agora é sair dele. Acho que ainda tem como sair.

O Financista: Qual a responsabilidade da crise política nas perdas de rating recentes, uma vez que todas as agências citaram os problemas fiscais?

Schwartsman: Basicamente a crise política está na raiz da incapacidade de gerar uma resposta econômica. Ela é fundamental, ela é a pedra onde está assentado todo o resto. Se fosse um governo que tivesse a capacidade de articular uma saída, talvez estaria fazendo isso. Mas aí junta a falta de fome com a falta de vontade de comer. Um governo cujas convicções acerca disso [política fiscal] já não são as mais fortes e ainda tem dificuldades, não consegue galvanizar apoio no Congresso para isso [aprovação de medidas de ajuste fiscal]. A prioridade dele, inclusive, não é essa. A prioridade do governo é continuar a ser governo, não é fazer ajuste fiscal e essas coisas certamente prejudicam muito.

O Financista: Isso significa, na prática, que foi essa falta de compromisso do governo que levou a esses rebaixamentos?

Schwartsman: Foi a falta de compromisso e o fato de ter um governo cujo único objetivo, nesse momento, é continuar a ser governo. Ele não tem nenhuma prioridade, nenhuma outra relevância, que não seja se apegar ao poder.

O Financista: Há alguma possibilidade de mudança no cenário político atual?

Schwartsman: Não sei o que pode acontecer até 2018. A reação do mercado nesses dias, com a prisão do João Santana, sugere um cenário alternativo, como se, de alguma forma, isso pudesse resolver essa questão antes de 2018. Se, eventualmente, conseguir ligar a grana que o João Santana recebeu lá fora à campanha da presidente, isso pode ter consequências bastante graves para ela e tem gente vendo isso como possibilidade de alteração do cenário político.

Nas condições que temos hoje, nada vai acontecer no ponto de vista do ajuste fiscal. Mas o cenário é instável e os desdobramentos do Lava Jato podem levar a qualquer tipo de coisa.

A saída da presidente do poder ainda é um cenário remoto, mas ficou menos remoto do que era nos últimos dias.

O cenário básico [de recuperação da economia] é só depois de 2018 e dependendo do resultado da eleição. O fato de ter uma eleição em 2018 não significa que vamos escolher certo e, escolhendo certo, não significa que a pessoa escolhida terá as condições de fazer o que é necessário. Ainda tem muita água para rolar embaixo dessa ponte.

alexandre-schwartsman-economista1Alexandre Schwartsman é ex-diretor do Banco Central  e colaborador do Chumbo Gordo, com seu Blog A Mão Visível

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