
Certos remédios d’antanho. Por Antonio Contente
…acabou por me remeter à lembrança dos chamados “remédios populares”, muito comuns no passado, tidos como capazes de amenizar ou curar variados males, apesar de que os médicos nunca os receitavam…
Há afirmações que se movem nos limites entre a verdade pura e a suposição (não a mentira). Digo isso pois um velho amigo que possui bela chácara em Sousas tinha um cão estimadíssimo. E foi a observar o lindo animal que sacou melhor o que muita gente normalmente até saca: sempre que o quadrúpede era acometido por dor de barriga, ia com o focinho direto a certo arbusto que crescia no pomar. Mastigava algumas folhas; em poucas horas ficava bonzinho.
Assim foi que um dia o próprio dono da propriedade amanheceu com uma baita diarreia. Ao saltar da cama com a barriga em pandarecos lembrou do cachorro a buscar as folhas. Não teve dúvida, partiu para o arbusto, arrancou vistoso galho e, sentado na cozinha, mascou tranquilamente o verde. Em pouco estava ótimo. Suposição ou verdade?
Verdade, claro. Que acabou por me remeter à lembrança dos chamados “remédios populares”, muito comuns no passado, tidos como capazes de amenizar ou curar variados males, apesar de que os médicos nunca os receitavam. Ou vocês acham que algum especialista, algum dia, prescreveu a pacientes o “Rhum Chreosotado”? Que foi famosíssimo contra os males dos brônquios. Tanto que, nos saudosos bondes, ficou popularíssimo um anúncio em cartazes que diziam: “Veja, ilustre passageiro,/ O belo tipo faceiro/ Que o senhor tem a seu lado./ E, no entanto, acredite/ Quase morreu de bronquite/ Salvou-o o Rhum Chresosotado”…
Devo dizer que o medicamente citado acima eu nunca usei, mas, ao longe da vida, ainda mais que passei a primeira juventude na Amazônia, acabei por engolir muitos outros cujos milagres eram apregoados nos jornais e revistas lidos por meus pais. Assim, pelas mãos e sabedorias deles, fui fortificado com “remédios”, driblei a falta de apetite com “Biotônico Fontoura” e endureci meus ossos com “Calcigenol Irradiado”. Deu resultados? Sei lá…
Pois muito bem, falo disso pois, já em tempos recentes, num dos meus costumeiros check-ups com o famoso médico campineiro João Carlos Rocha, perguntei-lhe o que achava de umas pílulas de alcachofra que eu tomava por conta própria. Ele me olhou e quis saber o que pretendia de bom para meu organismo. Respondi que, talvez, não vir a ter, nunca, por exemplo, pedras na vesícula. João sorriu:
— Bom, pode esperar… Mas talvez você tenha uma decepção…
De fato, tempos depois as pedrinhas lá estavam, detectadas por ultrassonografia. Quem as extirpou foi o grande médico Carlos Muraro, um dos maiores gastros de São Paulo.
Os chamados “remédios populares” eu saquei, com o passar do tempo, são geralmente mais usados para casos bastante específicos. Por exemplo: fígado. Como no meio em que vivo abundam amigos que gostam de um uisquinho a mais, é corriqueiro observar um ou outro ingerindo pílulas ou então líquidos amarelos acondicionados em vidrinhos. Para ser honesto, não sei se isso livrou algum pé-de-cana da cirrose. Mas muitos já me garantiram que com tais drogas experimentam ressacas bem menos devastadoras…
Como tenho problemas de vista desde criança, pois fiquei cego de um lado com 9 anos, apliquei-me em tomar informações sobre este ou aquele remédio para os olhos que saiam em anúncios. Provavelmente felizmente nunca usei nenhum, uma vez que sempre tive o cuidado de consultar os médicos. Mas também não sei de ninguém que esteja de bengala branca por causa, por exemplo, de um “Lavolho”, colírio que conheço de nome faz mais de 60 anos.
Dia desses, dentro dessa área, perguntei ao médico e escritor João Alberto Holanda de Freitas, um dos papas da oftalmologia em Campinas, o que ele achava dos remédios d’antanho dentro da sua especialidade. Respondeu-me que o colírio que cito acima, mais o “Moura Brasil”, também antiguíssimo, até serviam (apesar de nunca serem receitados) como descongestionantes ou lubrificantes para olhos secos. No correr do papo lembrou também o “Colírio de Cinerária Marítima”, usado por muita gente no século passado achando que evitaria cataratas. Balela. Idem, com a mesma finalidade, quem usou “Lutrax”. Já o “Doxium” era tido como tiro e queda para contornar os males que o diabetes causa à visão. Não há um só caso confirmado.
Mas vale fechar esta crônica com um extinto cataplasma chamado “Antiflogestine” que só quem tem mais de 70 anos conheceu. Pois uma vez levei um tombo e minha mãe o aplicou no hematoma na minha bundinha. Fiquei bom…
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ANTÔNIO CONTENTE – Jornalista, cronista, escritor, várias obras publicadas. Entre elas, O Lobisomem Cantador, Um Doido no Quarteirão. Natural de Belém do Pará, vive em Campinas, SP, onde colabora com o Correio Popular, entre outros veículos.
Tenho muito mais de 70 anos, então…
Crônica bem gostosa de ler .