
Princípio de ano, fim de uma época. Por Fernando Gabeira
By Chumbo Gordo 7 horas ago
PUBLICADO ORIGINALMENTE EM O GLOBO E NO SITE DO AUTOR, www.gabeira.com.br, 10 DE MARÇO DE 2025
Depois do carnaval, começa o ano no Brasil. Espero que seja próspero e feliz, mas duvido. Passamos por um momento difícil. Algo parecido com o que li neste início de romance: “Naquela época o céu era tão baixo que nenhum homem ousava se erguer em toda a sua estatura. No entanto havia vida, havia desejos e festas. E, ainda que nunca se esperasse o melhor neste mundo, esperava-se a cada dia escapar do pior”.*
Os Estados Unidos se retiraram não apenas do Acordo de Paris, mas também deixaram de apoiar a Ucrânia. Isso significa que a Europa tem dois caminhos: assumir o esforço de guerra sozinha ou receber milhões de refugiados da ocupação russa. Talvez os dois, na pior das hipóteses.
De qualquer forma, faltará recurso para combater o aquecimento global e ajudar os povos em desenvolvimento. Como Trump praticamente fechou a Usaid, o combate à fome e à doença pode minguar no mundo. Em síntese: o planeta ficará mais quente e desigual. Uso esses dois adjetivos, mas reconheço que dão apenas uma pálida impressão do sofrimento real que podem conter: desterro em massa, desastres ambientais, epidemias. A frase que o futuro primeiro-ministro alemão, Friedrich Merz, usou para a Europa poderia ser estendida também a outras partes do mundo: faltam cinco minutos para a meia-noite.
Aqui no Brasil há uma polêmica sobre as relações da oposição com o governo Trump, principalmente as denúncias contra Alexandre de Moraes. De modo geral, quando se sentem estranguladas, as oposições sempre pedem socorro fora. São quase sempre também acusadas de trair a pátria, mas a verdade é que no aperto todos usam essa tática.
O problema do enlace entre parte da oposição e o governo Trump é a própria natureza do autocrata laranja. Se ele conseguir, por meio de seu poder associado às big techs, tirar a direita do sufoco e levá-la de novo ao poder, o preço será alto. A primeira coisa que Trump dirá é o seguinte: o que podemos ganhar com isso? Na Ucrânia, foram as riquezas minerais, em Gaza a transformação dos escombros num resort de luxo, naturalmente expulsando 2 milhões de pessoas que não cabem nesse delírio. O que seria no Brasil?
Ele gosta de petróleo e certamente se interessaria pelo pré-sal, pela exploração na Margem Equatorial. Gosta também de expulsar gente para construir resorts de luxo. Fernando de Noronha é um espaço ideal para esse sonho. Bolsonaro queria criar uma Cancún em Angra; Flávio, seu filho, queria liberar a entrada de transatlânticos em Noronha. Tudo isso é um excelente aperitivo para Trump.
Existem alguns caminhos para evitar essa atividade externa em torno das questões políticas brasileiras. Infelizmente, o que defendo é o menos popular e me vale às vezes alguns insultos e acusações de cumplicidade com a direita. O ideal, no meu entender, seria uma completa transparência sobre os atos de Alexandre de Moraes, para que possamos avaliar internamente. Também seria ideal o conhecimento maior dos detalhes de todos os casos julgados do 8 de Janeiro para avaliar a dosimetria das penas. Da mesma forma, poderíamos esclarecer enigmas, como a denúncia de que se falsificou a entrada de Filipe Martins, ou mesmo a suposição de que contas bancárias de opositores com câncer têm sido bloqueadas.
Antes de me jogarem na lata de lixo da História e de me classificarem como incurável reacionário, quero apenas reafirmar que essa é a melhor forma de combate. A maneira como os vencedores estão conduzindo o processo, no meu entender, fortalece estrategicamente a oposição. Na verdade, travamos um diálogo de surdos com acusações recíprocas de favorecer a vitória da direita. Posso estar errado, mas, pelo que vi e aprendi, há uma arrogância e autossuficiência no ar, e isso é sempre péssimo sinal.
* O rochedo de Tânios — Amin Maalouf