aventureiros

Aventureiros. Por Antonio Contente

… de todos os aventureiros que conheci nenhum me impressionou mais do que Nobuo Tarakawa. Encontrei-o, nos meus tempos de repórter, num Cemitério de Navios que existia no entorno do Porto do Sal, em Belém…

aventureiros

Como é óbvio, pelo delta do rio Amazonas por onde navego de vez em quando, trafegam muitos aventureiros. Nem falo dos locais, dos nativos, ou os que chegam de outros Estados. Bons são os gringos que, em geral, buscam coisas que até podem existir, mas que estão, mesmo, é na cabeça, na imaginação deles. Coisas como Eldorados cobertos d’ouro ou tribos de índias louras e lindas montadas em cavalos brancos. Conheci, faz tempo, um alemão que buscava um tesouro. Enormes baús de diamantes que teriam sido enterrados por piratas espanhóis, em uma ilha. Quando perguntei sobre a localização, encolheu os ombros. Lembrei-lhe, então, que tais acidentes geográficos se espalham às centenas pela foz do grande rio. Uns anos depois fiquei sabendo que, após rodar pela região, o germânico acabou adotado pelos membros de um colônia de pescadores. Onde morreu, afogado. Em sonhos e cachaça.

 Agora, de todos os aventureiros que conheci nenhum me impressionou mais do que Nobuo Tarakawa. Encontrei-o, nos meus tempos de repórter, num Cemitério de Navios que existia no entorno do Porto do Sal, em Belém. Eu fazia matéria para a Folha de S. Paulo sobre a navegação em rios. Ao conversar com o nipônico descobri que ele procurava um barco velho, para remodelar. Iria usá-lo no transporte da pimenta-do-reino que produzia na região do rio Tocantins. Pretendia, também, morar a bordo, pois fora criado numa embarcação ancorada nas proximidades de Kobe, no Japão.

Nobuo contou que encontrava dificuldades em achar o flutuante do jeito que desejava. Foi quando lembrei que poderíamos pedir ajuda a um amigo e colega que trabalhava na Assessoria de Imprensa na Companhia Docas. Redigi carta de apresentação; no dia seguinte voei para São Paulo.

Só fui ter notícias de Nobuo muitos anos depois, quando eu já era assessor de Imprensa do Porto de Santos e encontrei o confrade que cito acima num evento no Rio. Ao vê-lo, perguntei se lembrava do japonês que mandara procurá-lo.

         — Claro – respondeu – ele desejava um barco, não é isso?

 Ouvi então a história que me remeteu à certeza de que o nipônico era de fato um aventureiro dos bons. O amigo jornalista conseguiu para ele embarcação quase desativada. Tratava-se de um tipo de veleiro comum à época, conhecido como vigilenga. O de Nobuo, contudo, ultrapassava tais medidas. Pois possuía bom camarote e acomodações para algumas pessoas; era impulsionado por duas velas além da bujarrona, à frente. Segundo o meu colega o japonês transformou a compra numa bela residência flutuante que ganhou até jardim. Instalado na parte traseira do toldo, com rosas e margaridas, além de viçoso hibisco vermelho. Acrescente-se que a embarcação não servia apenas de moradia. Com ela, levada pelos bons ventos, o proprietário transportava sua produção de pimenta à Capital.

Quando já ocupava o palacete móvel há mais de ano Nobuo casou com uma cabocla nativa. Que, aliás, se adaptou muito bem ao estilo de vida do marido.

Certamente o caso poderia ter “happy end” exatamente neste ponto, não fosse a repentina chegada à colônia japonesa dos plantadores de pimenta da meiga Mizuko, imigrante recém-importada. Mal Nobuo colocou os olhos sobre ela, pintou a paixão. Imediatamente correspondida.

Na verdade, apesar das circunstâncias nada favoráveis num grupo alojado entre a margem do rio e a floresta, os encontros secretos ocorreram. Bastaram uns quatro ou cinco para que resolvessem fugir.

Pelas informações que recebi o casal apaixonado conseguiu driblar a esposa do galã e, numa tarde de ventos favoráveis, colocou o veleiro no rumo de Belém. Nesse ponto, convencido estar mesmo diante de uma história e tanto, pergunto ao narrador se o destino final dos apaixonados fora somente a capital paraense.

         — Pois é – o jornalista coça a ponta do nariz – acontece que o japonês era um navegador esplêndido.

         — Já sei – me adianto – a dupla foi para o Caribe, que não é distante, e se refugiou em alguma ilha paradisíaca por lá.

         — Negativo.

         — Miami? – Arrisco.

         — Não, meu caro, Kobe, no Japão.

A saga se fechou numa outra viagem minha ao imenso delta, ao receber a informação de que Nobuo e Mizuko, na época rondando os 70 anos, ainda residiam lá na chamada Terra do Sol Nascente.

         — E o barco? — Quero saber.

         — Moram nele; com jardim e tudo…

       _______________________________________________________

Antonio ContenteANTÔNIO CONTENTE – Jornalista, cronista, escritor, várias obras publicadas. Entre elas, O Lobisomem Cantador, Um Doido no Quarteirão. Natural de Belém do Pará, vive em Campinas, SP, onde colabora com o Correio Popular, entre outros veículos.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Assine a nossa newsletter