
Chantagens inconfessas pela paz. Por Aylê-Salassié Filgueiras Quintão
Chantagens…Trump insiste em continuar distribuindo ameaças, numa tentativa de chantagem pela paz, diante de uma guerra que já assassinou mais de um milhão de civis tanto na Rússia quanto na Ucrânia…
A impressão tirada de toda aquela retórica de Donald Trump na conversa com Zelenski no Salão Oval da Casa Branca, defendendo a Rússia contra a Ucrânia, que assustou americanos e europeus, tem propósitos inconfessos, entre outros, o de trazer os russos para uma aliança preventiva contra a possibilidade de um conflito com a China. Em segundo lugar, despertar a Europa para essa onerosa tutoria militar dos Estados Unidos, denunciada por Trump, e o vice-presidente Vance – “Não vamos ficar ali por muito tempo”, sugerindo que os governos europeus devem criar o seu próprio escudo de segurança, sem depender dos EUA. A Finlândia, nas portas da Rússia, foi o primeiro a se posicionar.
A Rússia está, teoricamente, cedendo à manifestações de Trump para conseguir reafirmar como verdadeiras as suas teses ambíguas, reproduzidas pela militância marxista leninista no mundo, e testadas na invasão de uma Ucrânia democrática. Sem a ajuda dos EUA ou da China, a Rússia tende a fracassar nos seus intentos protecionistas. Embora se pregue que o PIB russo está crescendo, sua economia vem tendo perdas monumentais no campo de batalha e com as sanções impostas por governos de países capitalistas ocidentais que impedem a locomoção de alguns de seus líderes pelo mundo, embargam a venda de armas, e petróleo e gás, tem congelados ativos financeiros depositados no Ocidente. Suas reservas monetárias estão imobilizadas nos EUA e na Inglaterra. Seus cientistas estão participando nos EUA, de projetos espaciais (não se sabe se militares) conjuntos.
Mesmo assim, a Rússia achou que seria fácil invadir e tomar a Ucrânia. Por meio de acordos de boa vizinhança e segurança mútua, no passado, conseguiu desmilitarizar os países fronteiriços, fragilizando soberanias nacionais no seu entorno. Escaldada, contudo, com as invasões russas históricas em países fronteiriços, como a Hungria, a Polônia e a Tchecoslováquia e, mais recente, a Chechênia e a Geórgia, a Ucrânia foi buscar apoio na OTAN- Organização do Tratado do Atlântico Norte (segurança da Europa), sobretudo depois da tomada à força da Criméia e de parte da região de Donbas. Com Putin, um autocrata frustrado com o fim da URSS, os acordos de vizinhança deixaram de ser confiáveis.
Desse cenário de guerras permanentes no Leste Europeu, surgiu, nos EUA, essa figura excêntrica de Donald Trump e mais alguns companheiros líderes de fortunas pessoais que, confundindo o público e o privado, prometem fazer a “América great again“. Trump atemoriza aos próprios aliados com suas decisões extemporâneas, destinadas a reduzir o déficit econômico dos EUA, o que leva o importante economista de Harvard, Jeffrey Sachs, a concluir que “ser aliado dos EUA é perigoso, e ser amigo é fatal”. O bordão conduzido por Donald Trump é algo que vai, portanto, além dos propósitos democráticos da multilateralidade. Alça a si mesmo à condição de “xerife do mundo”, na presunção de poder conduzir a paz entre Rússia e a Ucrânia. Pelo insucesso na conversa com Zelenski, a quem quis impor um acordo draconiano com os russos, afirmou que vai retirar a ajuda militar e financeira à Ucrânia.
Suas bravatas só não assustam a China que permanece silenciosa no seu canto concentrada na absorção e desenvolvimento de tecnologias inovadoras, levadas por empresas europeias e norte-americanas atraídas pela mão de obra barata. Segundo dados do Brics – grupo de países do Hemisfério Sul – a China já lidera 47% a produção e o mercado consumidor mundial e 37% do PIB. Junto com Indonésia, Nigéria, Irã, Arábia Saudita chega a mais de 57% da população mundial. Os chineses estão investindo volumosos recursos em muitos países. Para o Brasil teriam desenvolvido, entre outros, o projeto de construção de uma cidade futurista na Paraíba com investimentos da ordem de R$ 9 trilhões em um único município, Mataraca, um PIB brasileiro: US$ 2,2 trilhões.
(https://www.youtube.com/watch?v=-wGx3_rFef8).
Ao contrário da China, com sua política de contrapartida, “os EUA estariam emitindo sinais para que o resto do mundo caia no colo da China”, observou, sob reserva, um analista diplomático credenciado. As ameaças tarifárias de Trump contra os produtos chineses levou Ji Jiping a adotar o mesmo tratamento para os produtos norte-americanos. Os produtos vão encarecer. Atacado por Trump por gozar de tarifas especiais nas compras nos EUA, o Canadá abriu seu mercado para os carros elétricos europeus. O México fará a mesma coisa. ” O perigo é que ninguém cai sem sair atirando”, ponderou o analista.
Enquanto isso, Trump insiste em continuar distribuindo ameaças, numa tentativa de chantagem pela paz, diante de uma guerra que já assassinou mais de um milhão de civis tanto na Rússia quanto na Ucrânia. De acordo com Trump, Putin está disposto a fazer a paz, desde que ele receba o aval para permanecer nos territórios invadidos.
Na interpretação do Presidente norte-americano: “Esse cara (Zelenski) não vai parar a guerra enquanto os EUA estiverem fornecendo-lhe armas”. A resposta de Zelenski é a de que assinaria um acordo de cessação da guerra desde que tivesse a garantia da segurança para seu país. Ele não confia em Putin, que já invadiu a Ucrânia duas a três vezes: “Ele não cumpre acordos”. Trump disse que ele, pessoalmente, seria a garantia. Mas, nessa altura nem Putin, nem Trump parecem confiáveis. França e Inglaterra estão dispostas a manter a ajuda à Ucrânia, até com artefatos nucleares. São países que estão, contudo, sempre no foco da beligerância de Putin.
Trump já anunciou que vai deixar a OTAN e que pretende repatriar 80 mil homens sediados na Europa. “Eles que cuidem de si”. Nessa semana os países europeus voltam a se reunir para dar legitimidade à disponibilidade de 800 milhões de euros para sua segurança, e mais 100 milhões de ajuda à Ucrânia. O propósito é alcançar pelo menos, 4% do PIB com gastos em segurança e adotar novas medidas substitutivas de qualquer dependência russa, inclusive o petróleo e o gás, que continuam chegando à Europa via países associados da OPEP – Organização Mundial dos Exportadores de Petróleo.
A Europa não quer mais viver sob o tacão de chantagens políticas e econômicas. O certo é que o cenário está poluído por notícias e estatísticas “fakes”, bem como versões ideologizadas, “ainda!!!”.
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Aylê-Salassié F. Quintão – Consultor de projetos sociais | Consultor da Catalytica Empreendimentos e Inovações Sociais. Jornalista, professor, doutor em História Cultural, ex-guarda florestal do Parque Nacional de Brasília Vive em Brasília. Autor de “AMERICANIDADE”, “Pinguela: a maldição do Vice”. Brasília: Otimismo, 2018