O general na cadeia. Por José Horta Manzano
… Tenho certa dificuldade em entender que nosso ex-futuro vice-presidente da República, general reformado Braga Netto, esteja recolhido ao aconchego de uma prisão militar. A estas alturas, ele já deve ter sido entregue ao Comando Militar do Leste…
Nosso país conserva normas que criam privilegiados. Desde os tempos em que ainda não havia regras nesta América portuguesa, o aventureiro branco vindo d’além-mar tinha automática ascendência sobre os gentios. Era o direito habitual, que dispensa leis escritas e é por todos reconhecido como natural.
Escritas ou não, normas discriminatórias continuam a favorecer castas privilegiadas até hoje. Entra governo, sai governo, estoura revolução, baixa a poeira, ensaia-se golpe de Estado, acalmam-se as coisas – mas os privilégios permanecem.
Me parece justo que um militar de profissão, tendo cometido crime durante seu engajamento na tropa, esteja sujeito à lei militar e seja por ela julgado. Se for condenado a pena de privação de liberdade, é compreensível que a cumpra em prisão militar.
Já um militar reformado que se veja diante de justiça civil por malfeitos cometidos deverá, no meu entender, ser submetido a destino semelhante ao de seus concidadãos civis: será julgado por tribunal civil e, em caso de condenação, cumprirá a pena em prisão civil.
Por essas e outras, tenho certa dificuldade em entender que nosso ex-futuro vice-presidente da República, general reformado Braga Netto, esteja recolhido ao aconchego de uma prisão militar. A estas alturas, ele já deve ter sido entregue ao Comando Militar do Leste, onde estará abrigado sob custódia do Exército Brasileiro.
Não é difícil imaginar o general de quatro estrelas sendo atendido por cabos e sargentos solícitos e reverentes que lhe levam o rango, arrumam a cama, varrem o chão, limpam o banheiro, engraxam os sapatos de manhã e trazem os chinelos à noite.
Não acho que o general estrelado, apesar do tenebroso crime de que é acusado, devesse mofar numa masmorra escura e úmida, sem julgamento, pelo tempo que lhe resta de vida. Acho simplesmente que ele deveria ser tratado como seus concidadãos comuns. Vista a idade e o histórico de vida do encarcerado, acredito que deveria ter direito a cela individual. Fora isso, nenhum privilégio extra.
O que é perturbante é saber que Braga está num universo em que todos os que o servem são hierarquicamente inferiores a ele. É situação esdrúxula, que não resiste a uma análise mais profunda.
Sosseguemos. Antes que a tinta deste texto seque, é bem capaz de o general já ter sido solto por conta de alguma manobra jurídica. Afinal, temos tantas à disposição…
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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos, dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.
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