“Clarice e o dinheirro”. Por Arnaldo Niskier
… Clarice Lispector… lá vinha o telefonema da escritora nascida na Romênia, com o seu sotaque característico: “Arrnaldo, preciso do meu dinheirro e não posso esperar muito tempo.”…
Conheci Clarice Lispector na casa dos amigos Míriam e Pedro Bloch. Aos domingos. Ele costumava receber amigos queridos, como a mencionada Clarice e outros escritores, como Jorge Amado, Orígenes Lessa e Fernando Sabino, entre outros.
Assim nasceu uma certa intimidade entre nós, consolidada pelo convite feito por Adolpho Bloch, para que ela colaborasse na revista “Manchete”, fazendo entrevistas em que os temas recorrentes eram amor, morte, solidão e fracasso. Tinham o formato pergunta e resposta, sendo também aproveitadas na revista “Fatos & Fotos”, da qual eu também era chefe de reportagem.
Isso me deu um trabalho adicional. O velho Bloch pediu que eu tomasse conta dela e dos seus interesses financeiros. Mal saía a matéria, como foi o caso da entrevista com Elis Regina, lá vinha o telefonema da escritora nascida na Romênia, com o seu sotaque característico: “Arrnaldo, preciso do meu dinheirro e não posso esperar muito tempo.”
Eu fazia o que era possível, junto à nossa contabilidade, para que ela não demorasse a receber o que lhe era devido. Isso acontecia praticamente todas as semanas. As entrevistas estão no livro “De corpo inteiro”. Da lista de entrevistados, constam nomes como Maísa, Tom Jobim, Djanira, João Saldanha, Oscar Niemeyer e Rubem Braga. Ela pediu a Jorge Amado que fizesse uma crítica da sua obra: “Meus livros são rudes, sem finuras nem filigranas de beleza. São pobres de linguagem e muitas coisas mais. São livros simples, de um contador de histórias da Bahia.” Muitas dessas entrevistas (25) ficaram inéditas. Clarice era considerada enigmática, mas às vezes se revelava um pouco, valorizando o que chamamos de processo criativo.
Quando entrevistou Elis Regina, quis arrancar da cantora gaúcha algo mais do que uma explicação sobre a sua fama de “mau colega”. Ela sempre procurou explorar o âmago da coisa. E arrancou de Zagallo essa revelação: “Com exceção de Jorge Amado e Érico Veríssimo, não conheço escritores que se sustentem apenas com a venda de livros.” Nelson Rodrigues precisava escrever três crônicas diárias para garantir a sua sobrevivência. Enfim, uma grande escritora.
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Arnaldo Niskier – Imortal. Sétimo ocupante da Cadeira nº 18 da Academia Brasileira de Letras. Professor, escritor, filósofo, historiador e pedagogo. Licenciado em Matemática e Pedagogia pela UERJ. Professor aposentado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Foi presidente da Academia Brasileira de Letras e secretário estadual de Ciência e Tecnologia e de Educação e Cultura do Rio de Janeiro. Presidente Emérito do CIEE/RJ. Honoris Causa da Universidade Santa Úrsula.