sabedoria - Yuval

Entre a sabedoria e o abismo. Por Meraldo Zisman

REDES DE INFORMAÇÃO: ENTRE A SABEDORIA E O ABISMO

Sabedoria…Harari costura a história das redes de informação como quem disseca uma ferida antiga. Ele nos lembra que essas redes não apenas moldaram a humanidade, mas também a enredaram…

sabedoria - Nexus

Yuval Noah Harari nos presenteia com mais uma obra que desafia a alma humana a enxergar além de si mesma. Nexus: Uma Breve História das Redes de Informação, da Idade da Pedra à Inteligência Artificial não é apenas um livro; é um espelho cruel e necessário, que nos obriga a encarar como construímos – e destruímos – nosso mundo através da informação.

Desde os primeiros murmúrios das narrativas tribais, passando pelas sagradas escrituras e chegando ao turbilhão algorítmico da inteligência artificial, Harari costura a história das redes de informação como quem disseca uma ferida antiga. Ele nos lembra que essas redes não apenas moldaram a humanidade, mas também a enredaram. Elas uniram povos sob a égide de crenças comuns e, com a mesma força, acenderam fogueiras onde se queimaram os diferentes.

 A Bíblia, o nazismo, o populismo moderno – tudo isso é a mesma dança, apenas vestida de novas máscaras. E, no entanto, o autor nos convida a imaginar algo além. Diz ele que somos capazes de resolver conflitos sem a força brutal dos canhões. Que podemos, talvez, aprender com nossos erros, rever nossas narrativas e, quem sabe, caminhar rumo a um mundo mais sábio. Mas, sábio? Seríamos realmente dignos do nome Homo sapiens? Harari, em sua fina ironia, duvida. O homem que construiu vacinas e levou água limpa a milhões é o mesmo que empilhou corpos em guerras sem sentido.

 Talvez sejamos mais Homo sentiens, guiados pelo que sentimos, ou Homo faber, fascinados pela obra de nossas mãos, mesmo que essa obra seja uma bomba que pode nos apagar do mapa.

 Hoje, as redes de informação nos envolvem como nunca. Elas nos deram o poder de mitigar calamidades, mas também de criar novas tragédias. As guerras que ferem a Ucrânia e Israel – e os tantos conflitos silenciados por sua falta de apelo midiático – mostram como essas redes amplificam o ódio. Harari adverte: o que antes eram espadas e pólvora, agora são histórias inventadas, espalhadas com a rapidez de um clique, mais perigosas do que terremotos ou o próprio aquecimento global.

 E aí entra a inteligência artificial. Um milagre moderno, sim, mas também um espelho que reflete nossas contradições. Ela diagnostica doenças e personaliza o aprendizado, mas perpétua preconceitos, divide opiniões e, muitas vezes, nos desumaniza. Na saúde, auxilia médicos, mas afasta o calor humano de uma mão que acolhe. Nas redes sociais, ela promove conexões superficiais que nos isolam ainda mais.

 O problema não está na IA, mas em nós. Em nossa decisão de como usá-la – se a transformaremos em uma ferramenta de progresso ou em um instrumento de destruição. É uma faca de dois gumes, e Harari nos avisa: só nós podemos decidir que corte ela fará no tecido da história. Enquanto isso, seguimos errantes, navegando entre razão e desatino, incapazes de aceitar a simplicidade da verdade.

 A sabedoria, se é que um dia a merecemos, exige humildade, e esta, sabemos bem, não é o forte do Homo sapiens. Somos contraditórios, criadores de maravilhas e destruições, e é essa complexidade que Harari, mais uma vez, nos joga à face.

 Cabe a nós, quem sabe, aproveitar o aviso.

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Meraldo Zisman Médico, psicoterapeuta. É um dos maiores e pioneiros neonatologistas brasileiros. Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha). Vive no Recife (PE). Imortal, pela Academia Recifense de Letras, da Cadeira de número 20, cujo patrono é o escritor Alvaro Ferraz.

Acaba de relançar “Nordeste Pigmeu”. Pela Amazon: paradoxum.org/nordestepigmeu

 

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