Seekers & loosers. Por Marco Antonio Zanfra
… aconteceu em 1950, em Chicago, quando Dorothy Martin, líder da seita The Seekers, profetizou que o mundo iria acabar antes de nascer o dia 21 de dezembro …
Lendo nesta quarta-feira (27) o artigo de Hélio Schwartsman na Folha de S. Paulo – onde ele destaca que, por horror à chamada dissonância cognitiva, grande parte dos eleitores de Bolsonaro vai continuar a ‘bater-lhe continência’, seja qual for o resultado dos embates com a Justiça que ele está enfrentando – lembrei-me de algo semelhante que havia lido sobre as mentiras que nós mesmos inventamos para amortecer o impacto do mundo real.
A tal de dissonância cognitiva se dá quando a realidade bate de frente com ideias e sentimentos arraigados emocionalmente em cada um. Para evitar o choque, o indivíduo faz de conta que não viu, ou ignora a realidade, ou cria narrativas que reduzam o impacto entre o real e o ideal
Foi, segundo o que eu havia lido há algum tempo, o que aconteceu em 1950, em Chicago, quando Dorothy Martin, líder da seita The Seekers, profetizou que o mundo iria acabar antes de nascer o dia 21 de dezembro. O fim seria causado por uma tempestade, seguida de dilúvio, e apenas os adeptos da seita seriam salvos, resgatados por discos voadores do planeta Clarion.
Crentes na profecia, os seguidores da The Seekers livraram-se de seus bens, largaram os empregos, venderam o que tinham e ficaram aguardando a chegada das naves salvadoras. Que obviamente não chegaram. Assim como obviamente o planeta não foi destruído.
Mas eles não se deram por vencidos: para eles, a Terra não sucumbiu porque eles, com sua fé, ajudaram a salvá-la.
Isso não parece com algo que aconteceu há algum tempo por aqui, embora não tenha envolvido apocalipse ou salvação por discos voadores? Alguns seguidores de Bolsonaro não pareciam também seguidores de uma seita que doutrinava à base de fake news e que davam um jeito de minimizar a verdade quando se viam diante de desmentidos?
Dissonância cognitiva é justamente esse ‘efeito’ (ou defeito), cujo nome foi dado pelo cientista Leon Festinger, que se infiltrou entre os seguidores da The Seekers, acompanhou a expectativa pelo final dos tempos e anotou e analisou as reações deles diante da frustração da hecatombe. Segundo Festinger, os participantes adequaram sua visualização da realidade subsequente, a fim de diminuir o desconforto gerado pela crença inicial não ter se concretizado.
Essa dissonância é uma espécie de busca por coerência em nossas crenças e opiniões, quando contra-argumentos nos são apresentados. E não é voluntária, mas uma forma subconsciente de o cérebro combater cognições contrárias.
Portanto, quando os bolsonaristas atribuíram à ‘Globolixo’ a mentira de que a mamadeira de piroca era fake – entre outras barbaridades – foi a forma de o ‘cérebro’ deles lidar com o contraditório e continuar acreditando que a ideia original era correta.
Da mesma forma, eles devem acreditar até hoje que a invasão do 8 de janeiro e a destruição das sedes do poder em Brasília era a forma correta de salvar o país da destruição pelos comunistas. As propaladas atrocidades cometidas por Bolsonaro seriam invenção da mídia farsesca, e até uma ajuda interplanetária (é só lembrar a manifestação em Porto Alegre, onde centenas apontaram as lanternas dos celulares para o espaço) viria para ajudar na restauração do país dos patriotas.
Quem sabe do mesmo planeta Clarion. Ou Melmac.
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