Time ou equipe? Por Aldo Bizzocchi
O português não é a única língua a fazer distinção entre o time (com sentido esportivo) e a equipe (com sentido neutro e geral). Em primeiro lugar, o anglicismo team está em quase todas as línguas, resultado da influência do inglês como idioma dos inventores do futebol …
Já faz um bom tempo que o futebol brasileiro deixou de ser o melhor do mundo. Em primeiro lugar, a maior parte dos atuais craques desse esporte é estrangeira. Em segundo, os jogos da atual seleção brasileira são um verdadeiro sonífero: eu deveria gravá-los para assistir nas noites de insônia. Vão longe os tempos em que qualquer criança sabia de cor a escalação do escrete canarinho.
Mas, como eu não entendo lá muito de futebol, minha observação sobre o tema é, como sempre, de ordem linguística.
Tenho ouvido muitas pessoas, incluindo comentaristas de futebol, se referirem às seleções como times. Em inglês, team (que é a origem do nosso time) quer dizer simplesmente “equipe” (não só esportiva, mas qualquer grupo de pessoas que atuem juntas, cooperativamente), portanto não há nada de errado em chamar uma seleção de time. Acontece, porém, que o uso transformou essa palavra em sinônimo de agremiação esportiva — e, mais especificamente ainda, clube de futebol, que chamamos simplificadamente de clube.
Assim, a seleção tem esse nome porque seleciona os melhores jogadores de cada clube de um país (ou, no caso brasileiro atual, de clubes estrangeiros) para formar uma equipe temporária.
O português não é a única língua a fazer distinção entre o time (com sentido esportivo) e a equipe (com sentido neutro e geral). Em primeiro lugar, o anglicismo team está em quase todas as línguas, resultado da influência do inglês como idioma dos inventores do futebol e também como língua hegemônica da atualidade. Curiosamente, o português é das poucas que adaptaram a grafia do termo ao seu sistema ortográfico (em espanhol, francês, italiano, alemão, continua-se a grafar team).
Paralelamente, são também empregadas palavras genéricas como o português equipe (ou equipa, na variedade lusitana), o espanhol equipo, o francês équipe, o italiano squadra, o alemão Mannschaft…
De todo modo, a palavra time (ou team) tem sempre uma conotação esportiva. Por isso, aplicada ao mundo corporativo (por exemplo, quando um novo executivo vem integrar o “time” da companhia), fica a impressão subliminar de que o mundo dos negócios é um jogo, no qual as empresas competem pela vitória e pretendem derrotar seus adversários (isto é, as empresas concorrentes).
Enquanto isso, o inglês, criador da palavra, usa apenas team em todos os casos. É, pois — e ironicamente —, a única língua em que o vocábulo não tem uma aura marcadamente desportiva.
Enquanto falantes do português, espanhol, francês e inglês se referem à equipe de futebol que representa seus países em campeonatos internacionais como “seleção” (esp. Selección, fr. Sélection, ingl. Selection), o italiano e o alemão usam a perífrase “Equipe Nacional”, ou mais simplesmente “Nacional”: it. (Squadra) Nazionale, al. National(mannschaft).
De todo modo, seja o time, a equipe ou a Seleção, o que importa é a conquista da Taça.
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Aldo Bizzocchi é doutor em linguística e semiótica pela Universidade de São Paulo (USP), com pós-doutorados em linguística comparada na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e em etimologia na Universidade de São Paulo. É pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Etimologia e História da Língua Portuguesa da USP e professor de linguística histórica e comparada. Foi de 2006 a 2015 colunista da revista Língua Portuguesa.
Acaba de lançar, pela Editora GrupoAlmedina,
“Uma Breve História das Palavras – Da Pré-História à era Digital”
Site oficial: www.aldobizzocchi.com.br