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Alguns graus de separação. Por Marco Antonio Zanfra

… graus de separação… Uso óculos desde os vinte anos, mas, de acordo com uma consulta oftalmológica feita há alguns anos, deveria ter começado a usar antes. Bem antes, aliás…

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Estava eu outro dia escolhendo o que comer no restaurante do Sesc da Prainha, quando deparei com uma bandeja carregada de róseas e apetitosas linguicinhas. Peguei logo três para acompanhar o arroz com feijão, e acabei dispensando mais carnes. Quando cheguei à pesagem do prato, porém, descobri que o que eu achava serem suculentas linguicinhas de carne de porco eram, na verdade, bananas cozidas.

 

 (Como, senhor!? Não sabe a diferença entre linguicinha de porco e banana cozida?! Calma, impaciente leitor, vamos chegar lá!)

 

Mas, sim, respondendo à pergunta de cima, sei a diferença entre bananas e linguicinhas de porco… O problema não é de ignorância, absolutamente, mas de visão. Estou enxergando cada vez menos, e, a distância, as bananinhas pareceram-me… bem, vocês sabem o quê.

 

Uso óculos desde os vinte anos, mas, de acordo com uma consulta oftalmológica feita há alguns anos, deveria ter começado a usar antes. Bem antes, aliás. Meu olho direito, segundo a doutora, deveria ter sido estimulado desde a mais tenra idade para não se transformar no que se transformou hoje: num belo dum vagabundo desfocado.

 

Se ela fosse minha médica quando eu era garoto, certamente eu teria sido transformado num Pantaleão da vida, aquele personagem do Chico Anysio com óculos de uma lente só: para exercitar o olho direito, eu seria obrigado a andar com o esquerdo tapado.

 

Ou seja, além de baixinho e cabeçudo, eu teria fornecido aos queridos coleguinhas adeptos do bullying mais uma bela e insofismável qualificação para me tornar vítima de sua cruel chacota.

 

Como ela não era minha médica e como não passou pela cabeça de ninguém à época que eu tinha um olho potencialmente preguiçoso, hoje deu no que deu: a diferença entre o esquerdo e o direito é tão acentuada que se eles fossem corrigidos individualmente, por lente, eu teria duas imagens paralelas, mas em ângulos diferentes de incidência, sendo processadas pelos nervos óticos no córtex visual do lobo occipital.

 

Como paliativo, a doutora oculista receitou lentes corretivas com graus inferiores aos necessários, de modo a que as imagens formadas pelos olhos direito e esquerdo não ficassem tão descompassadas uma em relação à outra.

 

Foi um paliativo, como eu disse. E pouco eficaz, já que a refração não foi totalmente afastada. Resultado, depois da consulta médica: enxergo mal com o olho esquerdo, pior com o olho direito e pior ainda com os dois juntos, quando duas imagens ruins disputam espaço no meu cérebro para ver quem está mais fora de foco.

 

Com o avanço da idade, a tendência é piorar. Descobri em consultas recentes que tenho sinais de catarata em ambos os olhos. Ainda é um mal incipiente, mas a que ponto poderemos chegar? Em meu exame para renovar a carteira de habilitação, a médica disse que minha acuidade visual está no limite, o que pode significar que, na próxima renovação, eu seria considerado inapto para dirigir.

 

Quer mais? Pois a última avaliação, agora em outubro, atestou que minha catarata caminha a passos lentos, mas a oftalmologista crê que, para a próxima renovação da CNH, em 2028, eu obrigatoriamente teria de ser submetido a cirurgia.

 

Por enquanto, para que a meia dúzia de meus quatro ou cinco leitores avalie como está meu grau de compreensão das imagens que vejo, basta imaginar que eu posso chegar ao cúmulo de, quem diria, confundir bananas cozidas com linguicinhas de porco! 

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Foto -Marco Antonio Zanfra

Marco Antonio Zanfra  – Nasceu em São Paulo. Escritor e Jornalista, formado pela Faculdade Cásper Líbero em 1977. Foi repórter por vinte e cinco anos, quinze deles cobrindo a área policial. É casado e pai de duas filhas. Mora atualmente em Florianópolis.
Suas publicações:
.Manual do Repórter de PolíciaAs covas gêmeasA rosa no aquárioO beijo de Perséfone

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