Sergio Reis

A aula que Sérgio Reis me deu. Por Paulo Renato Coelho Netto

Sérgio Reis, nome artístico adotado por Sérgio Bavini, se levanta para me cumprimentar, curvando-se para não bater a cabeça no teto com seus 1.93 de altura…

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Fazia faculdade de jornalismo. Recebi uma pauta para entrevistar o cantor Sérgio Reis. Ele se apresentaria em Arujá, uma pequena cidade na região de Salesópolis, na Serra do Mar, onde nasce o Rio Tietê, o único rio brasileiro que corre para o interior do país.

O conceito de frio pode ser ressignificado quando você se encontra ao relento, no auge do inverno paulista, à espera de ser chamado para entrar em um ônibus para fazer seu trabalho.

Era o único jornalista, boa oportunidade para um aprendiz de repórter ir além do óbvio que uma coletiva impõe.

Espero durante um longo tempo e nada além do frio congelante. Pensei em ir embora, que ele não estivesse ali, em um ônibus velho e rodado, ao meu ver indigno de um cantor nacionalmente reconhecido naquela época, em 1990.

Sou convidado por uma voz na escuridão, que me chama de longe para embarcar. O ônibus, que parecia antigo por fora, ficou ainda mais velho por dentro.

Sérgio Reis, nome artístico adotado por Sérgio Bavini, se levanta para me cumprimentar, curvando-se para não bater a cabeça no teto com seus 1.93 de altura.

Nos sentamos no fim do ônibus à esquerda, um de frente para o outro, separados por uma modesta mesa de madeira. Tudo rústico. A cortina aberta da janela permitia que a lâmpada de um poste de energia iluminasse melhor o ambiente.

Percebo um certo clima de tensão no ar. Alguém comenta que o pagamento pela apresentação ainda não havia chegado.

Viria cerca de meia hora depois em dinheiro vivo, dentro de uma maleta estilo 007. “Conta direito para ver se está tudo aí”, adverte o artista enquanto faz um parênteses na entrevista.

Durante mais de uma hora ele respondeu tudo que perguntei e ainda acrescentou várias informações sobre sua carreira que nunca havia imaginado.

A primeira é que é paulistano nato e começou a cantar iê iê iê, um estilo de rock britânico copiado nos anos 60 e 70 no Brasil pela turma da Jovem Guarda.

Nesta linha, Sérgio Reis não emplacou como queria, embora em 1967 tenha feito sucesso com a música “Meu Coração é de Papel”.

É muito difícil tentar imaginá-lo sem chapéu e dançando Rock and roll com aquele corpanzil todo ou cantando em português alguma versão de uma música dos Beatles.

Em 1973 Sérgio Reis gravou “Menino da Porteira”, seu primeiro sucesso nacional. A música tornou-se um hino sertanejo. Virou fenômeno nacional que o levou a fazer shows no Brasil inteiro, além de ser disputado para entrevistas, programas de rádio e televisão.

Menino da Porteira foi composta por Teddy Vieira e gravada pela dupla Luizinho e Limeira em 1955, mas foi na voz de Serjão, como é chamado no meio sertanejo, que virou sucesso nacional.

Durante mais de uma hora o famoso Sérgio Reis tratou um aprendiz de repórter como se fosse um enviado do The New York Times para fazer uma matéria especial sobre a sua vida.

Atencioso, com um jeitão calmo de falar, recordou seus principais sucessos, muitos dos quais eu escutava sozinho em uma vitrola em casa, quando era adolescente. Entre eles, Cavalo Preto, O Menino da Gaita, Chalana, Serafim e Seus Filhos, Saudade de Minha Terra e Cuitelinho.

Sérgio Reis só parou de falar quando a mesma voz que me convidou para entrar no ônibus disse em alto e bom som que nosso tempo havia acabado. Faltavam menos de dez minutos para começar o show.

Agradeci ao cantor a excelente entrevista e a forma como ele havia me recebido. Foi então que Sérgio Reis me disse. “Quantas pessoas, através do seu jornal, vão conhecer um pouco mais sobre o meu trabalho, a minha história? Quantas vão querer ouvir um disco, uma música que eu gravei? Quantas vão comentar com amigos o que leram? Quantas vão sair para comprar um disco? Eu que tenho que te agradecer”.

Fiquei mudo, sem reação.

Escrevi uma página inteira que foi publicada, no domingo seguinte, no Caderno de Cultura.

Além do respeito pelo meu trabalho, o nome correto do que havia acabado de viver e presenciar era uma aula de humildade e profissionalismo em sua forma mais evoluída.

Mais de 25 anos depois vejo Sérgio Reis em um restaurante. Ambos, eu e ele, fisicamente diferentes. Olhei de longe e me lembrei da noite fria em Arujá. Não fui até ele. Preferi não interromper seu almoço. Agradeci em pensamento por tê-lo conhecido e por ele ter contribuído também para me tornar quem sou.

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Instagram: @paulorenatocoelhonetto

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paulo rena

Paulo Renato Coelho Netto –  é jornalista, pós-graduado em Marketing. Tem reportagens publicadas nas Revistas Piauí, Época e Veja digital; nos sites UOL/Piauí/Folha de S.Paulo, O GLOBO, CLAUDIA/Abril, Observatório da Imprensa e VICE Brasil. Foi repórter nos jornais Gazeta Mercantil e Diário do Grande ABC. É autor de sete livros, entre os quais biografias e “2020 O Ano Que Não Existiu – A Pandemia de verde e amarelo”. Vive em Campo Grande.

 

capa - livro Paulo Renato

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