ódio

Os estudiosos modernos compreendem que o ódio, ao contrário do amor, é uma emoção que une pessoas. Ele cria uma irmandade de combatentes, cada um alimentado pelo desprezo que se tem por um “inimigo”, seja ele real ou imaginário.

ódio

Ao longo de nove décadas, vivi diversas mudanças no mundo, mas nenhuma é comparável à velocidade com que a cibernética e a inteligência artificial têm moldado nossas interações e percepções. O ódio, um velho conhecido da humanidade, tem encontrado novas formas de se espalhar, de se infiltrar em corações e mentes, muitas vezes se aproveitando de inovações tecnológicas.

Os ditadores, que antigamente precisavam de microfones e palanques para inflamar as massas, agora têm à sua disposição algoritmos e redes sociais. É incompreensível que o ódio seja capaz de unir de forma mais rápida do que qualquer outra emoção. O ódio, na era da internet, é viral. Ele não apenas se alastra, mas se retroalimenta, encontra nichos, amplifica preconceitos, constrói muralhas entre grupos que jamais se conheceram.

O amor, que é sempre exaltado como a força suprema da união, é uma chama branda em comparação ao poder incandescente do ódio. O amor é seletivo, pessoal e requer que o indivíduo reflita e se entregue. Enquanto isso, o ódio é expansivo e generoso. Ele não discrimina entre aqueles passíveis de senti-lo e, por isso, se alastra como uma epidemia, rápido e certeiro. Os déspotas utilizam a emoção para aumentar seu poder sobre as pessoas.

No universo digital, o ódio ganhou asas. Ele se infiltra nos corações com uma velocidade assustadora. As fronteiras entre o real e o virtual se borram e as ideologias autoritárias, outrora limitadas por barreiras físicas, agora têm alcance global. E, nesse novo cenário, o inimigo não precisa estar do outro lado da rua; pode estar do outro lado do Mundo, mas a apenas um clique de distância.

Os estudiosos modernos compreendem que o ódio, ao contrário do amor, é uma emoção que une pessoas. Ele cria uma irmandade de combatentes, cada um alimentado pelo desprezo que se tem por um “inimigo”, seja ele real ou imaginário. Esse ódio, incitado com a habilidade de um maestro, cega as massas, as une em torno de causas que, muitas vezes, elas sequer compreendem plenamente. A identidade de quem se odeia pode mudar com o tempo: uma etnia, uma ideologia, uma religião. O ódio é adaptável, moldável, um combustível inesgotável para os que almejam poder absoluto.

A inteligência artificial, por sua vez, aprende rapidamente a se aproveitar de nossas fraquezas. Sistemas alimentados por dados de milhões de interações digitais já sabem como o ódio pode ser rentável. Notícias falsas, discursos inflamados, polêmicas criadas sob medida: tudo isso contribui para a manutenção do ódio e do controle nas mãos dos manipuladores. E, assim, o ciclo se perpetua.

As grandes mudanças cibernéticas que presencio não trouxeram apenas progresso; trouxeram também novas formas de controlar e amplificar o que há de mais destrutivo nas relações humanas. No passado, ditadores precisavam de exércitos para fazer valer sua vontade. Hoje, precisam apenas de uma narrativa bem articulada, disseminada por uma inteligência artificial que pode conhecer nossos medos e alimentar nosso ódio.

O amor pode, sim, curar, mas não da mesma forma que o ódio destrói. O amor é algo que requer tempo e dedicação. Já o ódio? O ódio, com suas chamas virtuais, une mais rápido do que qualquer coisa que o ser humano tenha criado. Ele é, nas mãos de tiranos modernos, o golpe final contra a liberdade e a razão.

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Meraldo Zisman – Médico, psicoterapeuta. É um dos primeiros neonatologistas brasileiros. Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha). Vive no Recife (PE). Imortal, pela Academia Recifense de Letras, da Cadeira de número 20, cujo patrono é o escritor Alvaro Ferraz.
Relançou “Nordeste Pigmeu”. Pela Amazon: paradoxum.org/nordestepigmeu

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