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Respira fundo. Por Marco Antonio Zanfra

… vai tirar sangue para o exame do PSA, respira fundo; vai tomar a vacina contra a Covid, respira fundo; vai receber uma anestesia local para o tratamento de uma cárie, respira fundo…E em nenhum me deram tempo para respirar fundo.

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Embora fosse pouco aconselhável nestes tempos de queimadas e fumacê geral, a enfermeira segurou meu braço e disse “respira fundo”. Nem me lembrei do monóxido de carbono pairando no ar, e tentei segurar o ritmo, mas, antes que o cérebro repassasse totalmente a ordem para que o diafragma desacelerasse, a agulha por onde passaria a vacina contra a gripe já havia sido enterrada no músculo.

Tentei explicar à moça que sofria de ansiedade e que às vezes, sob pressão, não conseguia respirar fundo, mas não tive tempo: “pronto, seu Marco”, ela falou, e colocou um algodãozinho com esparadrapo no ponto onde a agulha tinha penetrado.

Fico em dúvida se elas falam isso por falar, ou se acreditam sinceramente no poder anestésico da respiração, mas não me lembro de nenhum momento em que me mandaram respirar fundo e ficaram esperando para ver se eu cumpria a ordem. E olha que meus encontros com as agulhas não são hoje tão esporádicos como eram alguns anos atrás.

Em todos eles foi assim: vai tirar sangue para o exame do PSA, respira fundo; vai tomar a vacina contra a Covid, respira fundo; vai receber uma anestesia local para o tratamento de uma cárie, respira fundo…

E em nenhum me deram tempo para respirar fundo. Acho que as agulhas entram em tantos braços e bocas tantas vezes ao dia que, se os enfermeiros fizessem a pausa para que as pessoas absorvessem a recomendação, menos braços teriam sido picados e menos anestesias locais teriam sido aplicadas ao final do expediente.

Não tinha pensado seriamente se o controle da respiração oferece algum lenitivo para a dor da picada até hoje, quando, ao tomar a vacina contra a gripe, constatei retroativamente que, caso houvesse esse poder balsâmico, não me havia sido dado o direito de desfrutá-lo: nunca me deram tempo para respirar fundo.

Uma possível comprovação consegui apenas pesquisando no Google, que não é a mesma coisa que a vida real, mas às vezes é o mais próximo dela onde podemos chegar.

“Você já passou por momentos de tensão ao saber que vai tomar uma injeção? Fique tranquilo! Novidades estão por vir! Um jeito de não sentir dor na hora da picada – basta apenas prender a respiração – foi descoberta por cientistas espanhóis. O estudo revela que parar de respirar por alguns segundos faz com que o cérebro amorteça o sistema nervoso, deixando a pessoa menos sensível à dor”, informa o site ‘Saúde no Ar’, citando a pesquisa do cientista Gustavo Reyes del Paso, da Universidade de Jaén.

Pois bem! Confirmado no papel o efeito leniente da apneia, precisaria agora de uma comprovação empírica: basta criar coragem e ir ali na farmácia da esquina para respirar fundo e tomar uma Benzetacil.

Se não doer, volto para contar!


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MARCO ZANFRA

Marco Antonio Zanfra  – Nasceu em São Paulo. Escritor e Jornalista, formado pela Faculdade Cásper Líbero em 1977. Foi repórter por vinte e cinco anos, quinze deles cobrindo a área policial. É casado e pai de duas filhas. Mora atualmente em Florianópolis.
Suas publicações:
.Manual do Repórter de PolíciaAs covas gêmeasA rosa no aquário

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