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Histórias de quem tem sorte. Por Antonio Contente

Histórias…naquele dia, o catador avistou, num terreno baldio, no qual haviam jogado coisas entre os capins e pedras que lá havia. Como sacou a existência de bons pedaços de papelão, tratou de ir juntá-los…

Histórias de quem tem sorte.

Tratava-se de um homem comum e, não fosse a ocorrência de certo episódio, provavelmente ninguém, ali pelo bairro, tomaria conhecimento da existência dele. Era, de profissão, catador de papéis. Passava pelas ruas diariamente a verificar se, nas lixeiras, havia jornais e revistas velhos, cartolinas, caixas de papelão descartadas etc. Se achava, colocava na carrocinha que empurrava e ia em frente. Absolutamente anônimo, como disse acima. Mas isso estava prestes a mudar.

E foi, de resto, por ter mudado que, atualmente, naquele bairro, hoje todos sabem quem é Toninho Serra. Exatamente porque, naquele dia, o catador avistou, num terreno baldio, no qual haviam jogado coisas entre os capins e pedras que lá havia. Como sacou a existência de bons pedaços de papelão, tratou de ir juntá-los. E fazia exatamente isso quando, de repente, não mais que de repente, deu de cara com um embrulho feito com folhas de jornal, amarrado com barbante. Pegou, até com certa displicência, desamarrou para dar de cara com outro invólucro, este de pano e também amarrado. Novamente desfez a coisa para, então, ter a surpresa: é que caíram ao chão, inesperadamente, várias cédulas. De 10 reais algumas, de 20 outro tanto, várias de 50 e, culminando, inúmeras de 100. Tudo somado certamente não daria nenhuma fortuna. Mas ali estava, com certeza, algo como cinco mil reais; ou até mais. Para o pobre catador, uma quantia imensa, inimaginável.

Estes episódios, até por serem raríssimos, acabam envolvidos por certa aura de lenda. Quem assistiu ao velho filme “Nascida Ontem”, a película que consagrou Judy Holliday no papel da inesquecível Billie Dawn, deve lembrar que a personagem tem romance com um milionário de Nova Jersey interpretado pelo ótimo ator, há muito falecido, Broderick Crawford. Pois bem, segundo a história, a rica figura iniciou seus negócios vindo de baixo, mais precisamente catando lixo como o nosso Toninho Serra que cito acima.

Se a peça de Garson Kanin que gerou a película foi baseada em algum fato real, sinceramente não sei. O que sei é que, como o ricaço interpretado por Crawford, há um outro caso de indigente americano que ficou próspero, este sim, verdadeiro. Trata-se de Simpson Newscomb, um sujeito que, no começo do século XX, vivia numa pior na cidade de Nova York. Certa noite, passando numa calçada fronteira a um grande edifício na Quinta Avenida, pimba, cai algo na cabeça do coitado. Ele se abaixa para pegar e, com os olhos arregalados, verifica que se tratava de uma carteira recheada com notas de dólares. Não pixuléus de cinco ou vinte, mas sim de 100, vários deles. Newscomb (ele conta isso na autobiografia “E Cai um Pedaço do Céu”) tratou de correr para sua miserável casa onde mostrou o verdadeiro tesouro para a esposa.

A coisa se tornou mais interessante porque era época de Natal, e a primeira coisa que o casal fez foi comprar uma árvore e um peru. Ali começou a fortuna deles pois, doze meses depois, novamente nas festas de fim de ano, graças à grana da carteira, já possuíam uma razoável criação da ave que assaram nas noites subsequentes em que algo despencou na cabeça do fulano. Enquanto isso, a fabriquinha que montaram produzia árvores de Natal em série. E, até hoje, produtos natalinos Newscomb são vendidos aos montes em todo o Estados Unidos, Canadá e México.

Sim, sim, mas eu contava a história de Toninho Serra, o paulistano que achou, num terreno baldio, pacote, cuidadosamente amarrado, contendo dezenas de notas de 10, 20, 50 e 100 reais. E foi justamente por causa de tal fato que ele ficou uma pessoa muito conhecida no bairro em que morava.

Agora, amigo, se você que me lê pensa que tal figura poderia ter tido o mesmo destino do personagem de Crawford em “Nascida Ontem”, ou de Simpson Newscomb, certamente cairá em ledo engano. E foi exatamente sobre isso que comentei com um amigo, e ele ficou curiosíssimo em saber que destino teve o modesto catador de papel.

         — Na verdade — contei a ele – o bom homem, apesar de sua situação de quase indigência, tendo achado a grana tratou de levá-la para a delegacia do bairro.

         — Sujeito honesto – veio a observação.

         — Pois é – levantei as sobrancelhas – mas o que os policiais teriam feito com a grana?

O outro coça a cabeça gemendo um “certamente não as entregaram ao Tesouro Nacional”… Com o que, evidentemente, concordei. Lembrando também do apelido que o catador arranjou, depois desses acontecimentos.

         — Apelido? – O outro torna – Qual foi o apelido que deram   a ele?

         — Ah, coisa simples – terminei – apenas só o chamam, agora, de “Toninho Burraldo”…

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Antonio ContenteANTONIO CONTENTE

Jornalista, cronista, escritor, várias obras publicadas. Entre elas, O Lobisomem Cantador, Um Doido no Quarteirão. Natural de Belém do Pará, vive em Campinas, SP, onde colabora com o Correio Popular, entre outros veículos.

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