Assembleia Francesa: convivência forçada. Por José Horta Manzano
Assembleia francesa…particularidades do sistema eleitoral francês permitem, com certo malabarismo, o erguimento de um cordão sanitário em torno de um partido que não se quer que vença.
As eleições passaram mas o caldeirão continua fervendo na França. Por causa das surpresas que só o sistema eleitoral desse país permite, o resultado deixou a todos boquiabertos. Todos, sem exceção, foi espanto total. Até diretores de institutos de pesquisa sentiram o baque.
Até sexta-feira passada, último dia de campanha, o jovem Bardella, presidente do Agrupamento Nacional (extrema direita), já ensaiava o discurso de futuro primeiro-ministro. Imagino até que já tivesse encomendado o terno para a tomada de posse, tão convencido estava de chegar lá rapidinho. Também, os institutos de pesquisa lhe davam corda: todos indicavam que ele e seu partido atingiriam fácil fácil a marca dos 249 deputados, contingente suficiente para garantir-lhe maioria absoluta na Assemblée.
No entanto, particularidades do sistema eleitoral francês permitem, com certo malabarismo, o erguimento de um cordão sanitário em torno de um partido que não se quer que vença. É, até certo ponto, um desvio de finalidade: induz-se o eleitor a votar contra o partido indesejado em vez de votar a favor do partido preferido. No Brasil, as duas últimas eleições presidenciais já nos tornaram peritos nessa forma de desvirtuar o voto.
O fato é que, quando a boca de urna foi anunciada, o espanto foi geral. Em vez de partido dominante, o Agrupamento Nacional ficou em terceiro lugar. Não foi nenhuma débâcle mas, para quem visava o topo do pódio, foi uma lavada. Com água fria.
Esse foi o tipo de eleição em que ninguém ganhou. Por mais que os barulhentos eleitores da esquerda batam três vezes no peito, subam em monumentos, pichem edifícios públicos e clamem vitória, não ganharam. Ganhar, quando se elegem os deputados, é conseguir metade dos assentos mais um. Ficaram longe disso.
… A Constituição Francesa impõe prazo mínimo de um ano entre duas dissoluções da Assembleia. Portanto, por um ano, a Casa não será dissolvida e a composição vai ficar como está.
A mesma coisa se pode dizer dos centristas (macronistas) e dos Le Pen (extrema direita). Nenhum deles ganhou. Dos 577 assentos da Assembleia Nacional, o bloco de esquerda ficou com 180 e a “macronia” garantiu 163. Para os ultradireitistas, sobraram 143 assentos. O restante se distribui, picado miudinho, entre a direita moderada e os partidos menores. Como se vê, estão todos bem distante da marca dos 50% do parlamento (289 assentos).
Que vai acontecer agora? No momento em que escrevo, ninguém é capaz de dizer com certeza. O presidente Macron não aceitou a demissão do atual primeiro-ministro. Ao contrário, solicitou-lhe que segure as rédeas por enquanto, despachando as miudezas do expediente até que os parlamentares mostrem ter entrado em alguma espécie de acordo.
De fato, do jeito que está, sem um grupo majoritário, o país fica ingovernável. No Brasil, estamos hiper acostumados a isso. Nosso sistema, por falta de um ou dois partidos dominantes, sobrevive à custa de coalizões. Por um lado, é uma saída para destravar o parlamento; por outro, o risco é que os deputados se sintam suficientemente fortes a ponto de cobrar “pedágios” do governo – por meio de emendas, por exemplo. A longo prazo, isso pode custar caro à nação.
Bem, eles, que são eurodescendentes, que se entendam. A Constituição Francesa impõe prazo mínimo de um ano entre duas dissoluções da Assembleia. Portanto, por um ano, a Casa não será dissolvida e a composição vai ficar como está. Não há outra saída: eles vão ter de se entender e formar uma coalizão para formar maioria estável.
É a melhor maneira de evitar chantagem parlamentar à brasileira.
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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos, dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.
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