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Conversas de 1/2 minuto (33) – Religiosos. Por José Paulo Cavalcanti Filho

…E assim, entre São João e São Pedro, seguem mais conversas, hoje só com religiosos, amigos dos tais santos, em livro que estou escrevendo (título da coluna)…

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Todos os países têm suas festas religiosas. As nossas vieram de Portugal, conhecidas lá como dos Santos Populares. O curioso é que também herdamos o costume de dividir a devoção por regiões. No Sul de Portugal, sobretudo Lisboa, é Santo António, que encontrou seu destino em Pádua, mas naquela cidade nasceu. Num 13 de junho; mesmo dia em que nasceria bem depois, em 1888, o poeta Fernando António Nogueira Pessoa (Fernando, em homenagem ao filho de uma parenta, dona Teresa Tavares Martins de Bulhões; António, em latim o que está na vanguarda, devoção ao santo; mais os sobrenomes, em Portugal apelidos, da família ‒ Nogueira, da mãe; e Pessoa, do pai, indicando suas origens sefaraditas). Enquanto, ao Norte, é São João. Sobretudo no Porto, Cidade Invicta. Aqui no Brasil, também. No Sul, feriado é Corpus Christi. Enquanto, em boa parte de Nordeste e Norte, São João. Nossa maior festa popular, que celebramos agora. Embalados por Luiz Gonzaga, “Olha pro céu meu amor”… E assim, entre São João e São Pedro, seguem mais conversas, hoje só com religiosos, amigos dos tais santos, em livro que estou escrevendo (título da coluna).

DOM AGNELLO ROSSI, núncio apostólico (uma espécie de embaixador do Vaticano, no Brasil). História contada pelo padre Pedro Rubens. Vivia em Brasília e foi visitar Fortaleza. O Bispo local perguntou

‒ Vossa Eminência está cansada?

E ele, italiano e ainda aprendendo as concordâncias do português, respondeu

‒ Morta…

 Dom BASÍLIO PENIDO, abade do Mosteiro de São Bento (Olinda). História contada por Irmão José. Um frequentador da igreja reclamava das famílias de pedintes que ficavam assediando os fiéis que iam as missas, à entrada, mostrando filhos pequenos que teriam doenças graves.

– O ruim, Dom Basílio, é que eles mentem muito.

– Não é tão grave, meu filho.

– Como?

– É que eles mentem para comer.

 Padre EDWALDO GOMES, da paróquia de Casa Forte. Numa festa da Vitória Régia. Luciana, minha filha menor,

– Arretado!, padre.

– Cuidado com esse palavreado, Lulu.

– Padre Edwaldo, arretado pode?

E ele, depois de pensar um pouco,

– Poder pode, minha filha. Até mais. Pode arretado, merda, bosta, porra e puta que o pariu. Mas só isso, viu? Que, passou daí, é pecado.

 DOM FERDINAND AZEVEDO, historiador americano. História contada por padre (que pediu para não escrever o nome), seu amigo. Viveu 90 anos no Brasil e jamais aprendeu as concordâncias de nossa língua. Chegou para morar na residência dos jesuítas, no Recife, e logo se dirigiu aos funcionários da casa

‒ A partir de hoje, no fim dos dias, todos vocês devem limpar o cuzinha.

Dom HÉLDER CÂMARA, arcebispo de Olinda e Recife. Bate na sua porta um pedinte, querendo roupas que as suas estavam rasgadas. Dom Hélder lhe deu uma calça. Zezita, que era sua guardiã (até o fim), o censurou

– Mas dom Hélder, o senhor tem só duas calças.

– E o pobre, Zezita, que não tem nenhuma?

 Padre JOÃO PUBBEN, da Igrejinha das Fronteiras. Prometi uma caixa de vinhos e ele escolheu um português, Periquita. Pode? Um Padre? Mandei, junto com esse bilhete

– Todo homem de valor

Se revela pecador

Quando apreciador

De coisa boa e bonita

Mas me causa estupor

Ver alguém como o pastor

Que é quase um Monsenhor

Sendo admirador

Dessa tal de periquita.

 Dom JOSÉ TOLENTINO MENDONÇA, cardeal. Dia seguinte à sua posse como Cardeal, no Vaticano, ofereceu almoço para os amigos. Preparei discurso que começava assim

– O treinador do Flamengo (à época), Jorge de Jesus, é também português. E hoje, no Brasil, Jesus é Deus. Os amigos de Tolentino são bem mais modestos. Não querem vê-lo como Jesus. Nem, muito menos, Deus. Para nós, basta que um dia ele seja Papa.

 LILI FALÂNGOLA, empresária. Convidou Madrinha Neiça para uma festinha, na sua casa, e a outra

‒ Sabe quando eu vou?, no dia de São Nunca.

Passa o tempo e Lili, num 1º de novembro, preparou churrasco pantagruélico. Chamou amigos e, primeiro a chegar, foi a tal Madrinha.

‒ Oi, e você não disse que só vinha no dia de São Nunca?

‒ Verdade, e é hoje, o Dia de Todos os Santos.

 Dom LUCIANO MENDES DE ALMEIDA, secretário geral da CNBB. De nossos almoços, todas as quartas, guardo só lembranças boas. Como refrescos de laranja bem gelados. Ou o Bliss, que tomava sempre dom Ivo Lorscheiter no seu corpo de atleta. Ou a comida simples, com sabor caseiro. Então disse

– Uma das coisas que não entendo na Igreja, dom Luciano, é a restrição à Gula. Como pode coisa tão boa, que é comer, ser pecado? E logo mortal?, um dos sete capitais.

Ele, com sua imensa capacidade de consensualizar, argumentou

– Você não conhece a Santa Gula?, meu filho.

– Que história é essa?

– É assim. Quando você come muito, e não quer que mais ninguém coma, é pecado. Mas quando você come, e quer que todo mundo coma tanto quanto você, é virtude. A Santa Gula.

LUZILÁ GONÇALVES, escritora. Madrugada, ligou amiga pedindo ajuda que o marido estava quase morto. Luzilá teve que ir a colégio de freiras que acolhiam padres. Encontrou um, já bem velhinho, e disse que precisava dele para dar a Unção dos Enfermos. Tudo acertado, inclusive o preço. Mas o velho quis tomar café, antes de partir. A freirinha que lhe atendeu, com toda paz do mundo, preparou tapioca e cuscuz que ele comia com prazer. Sem pressa. E o tempo ia passando.

– Padre, queria lembrar que o homem está se acabando.

– Tenha calma, filha, Deus é paciente.

– Deus eu sei que é, padre. Só não estou certa é que o doente possa esperar tanto tempo.

Afinal, chegaram no apartamento.  O padre leu Breviário e belo Ofício aos Mortos. Diante de um paciente largado na cama, lívido, com os olhos fechados. E todos rezando. Ocorre que, de repente, o quase defunto deu um pulo

– Que merda é essa?! A gente nem pode mais dormir em paz?!!, porra!!!

Em resumo, o homem estava era de porre. Coma alcoólico. Foi só engano da quase viúva.

MAURO MOTA, da ABL. Dona Santinha, sua irmã, tomava conta de outro irmão, Dom Mota, arcebispo de São Luís (Maranhão). Carola, quando escrevia cartas para Mauro começava dizendo

‒ São Luiz, cidade pagã…

Confessava-se todos os dias. Já meio surda, gritava os pecados. E, o padre, sua penitência. Para evitar constrangimento acertaram que ela entregaria, no confessionário, a relação de seus pecados mortais. Os cometidos na véspera. E o padre lhe mostraria qual seria sua penitência. Por cautela deixou já pronta, num canto, essa relação, sempre 3 Padres Nossos e 3 Aves Marias. Dando-se que certo dia Mauro roubou, de seu missal, os tais pecados do dia e nos mostrou. Eram três.

‒ Ontem, não rezei o Rosário completo.

‒ Olhei para trás na missa.

E, mais grave de todos,

‒ Tentativa de mau pensamento.

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José Paulo Cavalcanti FilhoÉ advogado, escritor,  e um dos maiores conhecedores da obra de Fernando Pessoa. Ex-Ministro da Justiça. Integrou a Comissão da Verdade. Vive no Recife. Eleito para a Academia Brasileira de Letras, cadeira 39.

jp@jpc.com.br

1 thought on “Conversas de 1/2 minuto (33) – Religiosos. Por José Paulo Cavalcanti Filho

  1. Dom Agnelo Rossi é brasileiro, campineiro, nascido no distrito de Joaquim Egídio e foi cardeal arcebispo de São Paulo antes de D. Paulo Evaristo Arns.

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