NÚUMERO 9,99 99,99

… anúncios de desinfetantes que prometem matar 99% dos germes. 99 por cento? Como os anunciantes chegaram a esse número? Será que eles têm vergonha de afirmar que seu produto é 100% eficiente?

NÚMERO MISTERIOSO

Publicado originalmente no site do autor

Não aprecio muito o número 99 — e não por razões de superstição numerológica, que definitivamente não tenho, mas porque atualmente, na maioria dos textos e contextos em que ocorre, ele encerra uma mentira ou, ao menos, uma afirmação duvidosa.

Você já notou que quase todos os preços de produtos e mercadorias terminam com 99? Por que isso acontece? Você vê o anúncio de um televisor por R$ 1.399,99 e pensa: puxa, está barato, apenas 1.300 reais! Só que, na verdade, você não vai pagar 1.300 e sim 1.400 reais. Até porque, se você der ao vendedor 1.400 reais em espécie, ele certamente não lhe devolverá 1 centavo de troco.

Enfim, preços terminados em 9, 99, 999 são mais uma invenção matreira do marketing para nos enganar. Penso até que o algarismo 9 deveria ser proibido por lei em preços de produtos a não ser na primeira casa da esquerda: ou o comerciante cobra 900 reais ou 1.000 reais ou ainda qualquer valor entre esses dois desde que não seja nem 990 nem 999 — 999,99 então, nem pensar!

Outro exemplo de discurso mercadológico que inspira pouca credibilidade são esses anúncios de desinfetantes que prometem matar 99% dos germes. 99 por cento? Como os anunciantes chegaram a esse número? Será que eles têm vergonha de afirmar que seu produto é 100% eficiente? Se uma propaganda de desinfetante dissesse que estudos laboratoriais demonstraram que ele extermina 98,4% dos germes, eu até poderia acreditar, mesmo que seja mentira, pois 98,4 parece de fato o resultado de alguma estatística ou experimento científico. Mas 99% é conta de mentiroso.

O número 99 também aparece com frequência em discursos políticos, como o de um certo governador do Rio de Janeiro ao afirmar que as operações policiais nas favelas — perdoem-me, nas comunidades — cariocas visava apenas a capturar marginais e não ferir ou matar os 99% de cidadãos de bem que moram nessas favelas (ops, errei de novo!). Cá para nós, se somente 1% dos moradores dessas comunidades (agora acertei!) fosse de marginais, aí incluídos criminosos e simpatizantes, a segurança pública no Brasil seria sopa no mel.

É por essas e por outras que não confio no número 99. Afinal, um número que é quase 100, mas fica sempre devendo 1, não merece confiança.

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ALDO BIZZOCCHIAldo Bizzocchi é doutor em linguística e semiótica pela Universidade de São Paulo (USP), com pós-doutorados em linguística comparada na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e em etimologia na Universidade de São Paulo. É pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Etimologia e História da Língua Portuguesa da USP e professor de linguística histórica e comparada. Foi de 2006 a 2015 colunista da revista Língua Portuguesa.

Acaba de lançar, pela Editora GrupoAlmedina,

“Uma Breve História das Palavras – Da Pré-História à era Digital”

Site oficial: www.aldobizzocchi.com.br

e-mail: aldo@aldobizzocchi.com.br

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