EMBARCAÇ

Embarcações no horizonte. Por Antonio Contente

…Devo contar que me dedico a focar as embarcações desde que, já faz bom tempo, visualizei, com as poderosas lunetas, um iate belíssimo. No qual, como sempre, busquei ver a bandeira do país que indicasse sua origem…

Sempre me perguntam, nos papos aqui e ali, como gasto meu tempo numa ilha perdida no delta do rio Amazonas onde sequer eletricidade possuo. Bem, tenho contado muitas vezes os jeitos de me virar sem, graças a todos os deuses, torres de transmissão ou vizinhos; agora só posso reafirmar que meus equipamentos movidos a pilhas e baterias de carros, além de gás (geladeira) permitem muitas coisas. Como ter gelo para os uisquinhos, ouvir música ou, através de pré-histórico rádio Transglobe, ouvir e tomar conhecimento do que se passa no mundo. Quanto a isso, aliás, como nem sempre estou interessado em acompanhar o que ocorre na chamada civilização, às vezes só tomo conhecimento de certos fatos dias depois de terem acontecido. E em geral – eis uma curiosidade – por duas emissoras de rádio estrangeiras: BBC, de Londres, e Radiodifusão Francesa, de Paris, captadas com muito mais nitidez do que as nacionais.

Pois é, além de ler, escrever, pescar, cuidar dos jardins, horta, caminhar pelo Bosque das Árvores Seculares, olhar passarinhos etc. há sempre outras ocupações. Como, nas noites claras, tentar ouvir e entender estrelas.

Outra esplêndida ocupação é mirar os horizontes da baía que se perdem nas lonjuras além da imaginação. É que por tais distâncias passam, muito raramente, é verdade, grandes e médios navios. E é então que entra em ação talvez um dos melhores usos que faço do já lendário binóculo alemão que mostra até as crateras da lua.

Devo contar que me dedico a focar as embarcações desde que, já faz bom tempo, visualizei, com as poderosas lunetas, um iate belíssimo. No qual, como sempre, busquei ver a bandeira do país que indicasse sua origem. Este, como a maioria, era americano.

Ora, amigos, vamos falar a verdade, o iate impressionava. Encontrava-se fundeado perto de uma ilhota desabitada e eu via perfeitamente a movimentação das pessoas no convés. Durante longos dois dias o flutuante permaneceu onde estava e continuei a espioná-lo. De repente, sumiu.

Certamente esta história terminaria aqui se, na semana seguinte eu não tivesse ido ao continente. Onde, ao folhear uma  revista Veja vi foto, na seção Gente, a mostrar exatamente o espetacular iate ancorado no horizonte em frente à minha choupana. Segundo informou a matéria a maravilha pertencia ao milionário Steve Jobs, já falecido. Que teria, na viagem ao Brasil, entrado pelo rio Amazonas até alcançar as paradisíacas praias de Alter-do-Chão, no rio Tapajós.

Porém o marcante para que eu viesse a escrever esta crônica foi um grande cargueiro chamado “Wild Flamingo”,  “Flamingo Bravio”. Como gostei muito do nome, anotei para fazer uma lista, ora em andamento, com outros (sempre em inglês) das embarcações que de vez em quando passam ao longe. Assim já tenho “Rosas do Sul”, “Brisas do Mar”, “Princesa de Ouro”, “Lua do Leste”, “Golfinho Saltador” etc. Se bem que este último era um veleiro com bandeira alemã. Aliás, o único no qual pude observar algo que primeiro me enterneceu e depois aporrinhou. É que foquei com o possante binóculo um casal de jovens aos beijos e abraços na amurada. Depois, de repente, para estragar a cena o rapaz, terminando a lata de cerveja que bebia, atirou o recipiente vazio nas águas da baía. Cheguei a gritar, irritado e inutilmente, para que não fizesse aquilo…

O fecho desta crônica ocorreu quando vi outro veleiro (bandeira holandesa) chamado “Baleia Branca”. O que imediatamente me remeteu ao esplêndido “Moby Dick”, de Heman Melville ( 1819-1891), e ao filme de John Huston (1906-1987) no qual o ótimo Gregory Peck (1916-2003) faz o Capitão Ahab à caça do cetáceo que arrancou sua perna. Para a vingança vasculhava oceanos a bordo de um brigue chamado “Pequod”.

Bom, a partir daí me convenci que, a qualquer momento poderia pintar para as potências do meu binóculo algum navio a exibir, escrito na proa, o mesmo nome do veleiro descrito na história do autor americano.

Minha espera, porém, com o passar dos meses, resultou infrutífera. Todavia, de repente, tive uma ideia: como as canoas dos ribeirinhos amazônicos sempre têm nomes, revolvi batizar a minha pequena “montaria” (assim são chamadas aqui) na qual velejo pelas águas que me cercam. Agora, com viçosa letra azul, lá está o que faltava. Já há um “Pequod” a singrar distâncias possíveis neste lindo delta que de vez em quando me abriga. Como nos últimos dias do ano passado e começos deste.

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Antonio ContenteANTONIO CONTENTE

Jornalista, cronista, escritor, várias obras publicadas. Entre elas, O Lobisomem Cantador, Um Doido no Quarteirão. Natural de Belém do Pará, vive em Campinas, SP, onde colabora com o Correio Popular, entre outros veículos.

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