A fronteira com Equador. Por Fernando Gabeira
By Chumbo Gordo 11 meses agoA produção e a distribuição de drogas são um dado essencial não apenas na economia, mas na própria vida social de nosso continente. O impacto delas na vida dos outros países é menor que aqui, onde muita gente morre ou é subjugada nas áreas ocupadas pelo tráfico. O caso brasileiro é especial. Por aqui passam rotas de drogas, e o país tornou-se o segundo maior consumidor mundial de cocaína.
Outro dia, escrevi um artigo comparando alguns pontos da violência no México com o Brasil. O Equador tornou-se uma espécie de novo México. Atos de terrorismo para demonstrar força não são inéditos no Brasil. Recentemente, a milícia da Zona Oeste do Rio incendiou um grande número de veículos na cidade. Seu líder hoje está preso. Mas o domínio territorial do crime permanece inalterado.
Já escrevi sobre como as milícias ameaçaram a produção de energia solar na Região Metropolitana do Rio. Queriam dinheiro. Na semana passada, uma obra pública em Piedade, Zona Norte do Rio, foi ameaçada por três homens: o preço para finalizá-la seria R$ 500 mil.
A infiltração nas instituições é uma realidade no Equador. Mas também é no Rio. O governo quer o controle das penitenciárias no Equador, mas será que o governo brasileiro realmente controla as nossas?
Há muito o que fazer para que saiamos dessa situação. Não temos fronteiras físicas com o Equador. Mas há fronteiras simbólicas marcadas por um estado de coisas que existe também na Colômbia, na Bolívia, no Peru, na Venezuela.
Hoje a Amazônia brasileira é um espaço por onde transita o crime transnacional. Estados do Nordeste foram profundamente alterados pela presença de rotas especiais e pelo deslocamento de fortes organizações do Sudeste.
Em algumas situações, é inegável a boa vontade do governo. As operações de emergência para proteger os ianomâmis, em Roraima, foram um esforço extraordinário em dinheiro e recursos humanos. Mas, um ano depois, os garimpeiros continuam donos da região.
Misturo temas para mostrar que eles nos revelam lições comuns. Garimpeiros ilegais, traficantes de drogas e milícias podem ser combatidos momentaneamente. Terminado o combate, há uma sensação de alívio transmitida pela imprensa. Com o passar do tempo, a ilusão se desfaz.
O ideal seria sentar para definir uma estratégia considerando a segurança pública um grande problema continental. Um dos objetivos dessa estratégia, no caso brasileiro, seria recuperar o terreno perdido e restabelecer a soberania nacional em toda a extensão de nosso território.
Sou pessimista quanto ao fim do tráfico de drogas. Mas a possibilidade de recuperar seu território não é irreal. Da mesma forma, milícias podem ser neutralizadas se houver constância no combate e na ocupação real do território delas.
A recuperação do controle das penitenciárias passa por um processo complexo, que implicará investimentos e melhoria das condições. A tese de que é melhor matar os presos de fome, tortura ou doenças só fortalece a coesão interna das grandes facções criminosas, e isso acaba caindo na cabeça dos brucutus da extrema direita.
Mas Nayib Bukele conseguiu solucionar o problema em El Salvador, dirão. É verdade que avançou, mas a um preço muito alto em controle do Congresso e direitos individuais. Não existe uma só maneira de combater o crime, e ela deve levar em conta a complexidade e o estágio democrático da sociedade.
Não é um tema que possa ser resolvido por uma bancada da bala, como a que existe no Congresso. Mas é impossível ignorá-la num debate aberto. E é isso que o Equador deveria nos inspirar.