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O ano das lorotas. Por Aylê-Salassiê F. Quintão

Lorotas… Aos 78 anos, Lula dá ideia de não gostar mesmo do trabalho. Vai passar o ano fazendo política: efetivamente, politicagem. Ele não tem mais paciência administrativa, e parece divertir-se com as ansiedades criadas por suas volúveis narrativas.

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A considerar os esforços do ministro da Fazenda para descobrir e aprovar, ainda em 2023, fontes de receita para o Tesouro capazes de amenizar o crescente déficit das contas públicas e alimentar as eleições municipais, em 2024 deve pairar sobre o País um cardápio de promessas recheado de narrativas e estratégias  de governança, típicos dos Contos da Carochinha, o primeiro livro para crianças publicado no Brasil em 1894. Mais que isso, será um novo ciclo de verdades duvidosas, e de tentativas de reconstrução do mundo.

É de se pressupor, por isso, que o novo exercício fiscal não será fácil, ao contrário do que anunciam os áulicos. Primeiro, não haverá déficit zero nas contas públicas. O novo ano começa com um sorrateiro reconhecimento de que o desequilíbrio contábil do Governo não será inferior a R$ 160 bilhões. Segundo, na política, constatou-se que a hiperpolarização tóxica interna e as onerosas viagens internacionais do casal Lula levaram o governo a um índice de desaprovação de quase 50 por cento, abrindo espaço para um imaginário bolsonarista.

Déficit zero foi uma conversa, conduzida com habilidade marquetológica pelo ministro Fernando Haddad, da Fazenda, do qual ele próprio dúvida. Já imagina uma revisão do Orçamento para abril. O endividamento do País caminha para equiparar-se ao valor do PIB (R$ 11 bilhões, projetado), e sua aprovação no Congresso Nacional foi uma estratégia para passar a Reforma Tributária e o Projeto do Orçamento. Deputados e senadores, com as burras recheadas, R$ 59 bilhões – quase o dobro do previsto – em emendas e recursos para as eleições, caíram de joelhos, preguiçosamente, diante da enxurrada de medidas fiscais apresentadas pelo governo, logo a seguir, no apagar das luzes do 2023.

Como um mágico, o ministro da Fazenda, tirou recursos de todo lugar para cobrir o imprudente déficit do Governo. Aprovou aumento de impostos, reajustes de alíquotas, reoneração da folha de pagamentos de 17 segmentos empresariais – no fundo 34, são dois grupos, inclusive a indústria cultural, o transporte escolar, bolsa estudantil – limitação de compensações tributárias, e até a suspensão de privilégios fiscais criados em nome da empregabilidade.

Algumas medidas já entram em vigor em janeiro; outras em primeiro de abril – para completar o falso enredo narrativo – e outras vão se ajustando ao longo do ano, dando tempo à máquina do Estado para se reorganizar. Embora o Planalto pretenda ganhar tempo para as eleições municipais, as autoridades da Fazenda não convenceram o governo e as lideranças do Partido dos Trabalhadores de que não havia margem para expansão de gastos. Argumentos recusados, Haddad se virou: além de alimentar a insegurança jurídica, gerou um modelo que coloca o Brasil entre os países que mais cobram impostos no mundo.

O dinheiro destinado no Orçamento da União para as emendas parlamentares provavelmente não poderá ser gasto livremente, como gostam de fazer os políticos, nem mesmo na campanha. O governo posicionou os pedidos de recursos dos parlamentares, dentro do Programa de Aceleração do Desenvolvimento. Existe aí uma ambiguidade virtualizada – uma historinha de Carochinha embutida: primeiro, os projetos parlamentares foram incluídos no PAC e, portanto, serão méritos para o governo federal; segundo, aparece duas vezes contabilizado: na conta do parlamentar e na do PAC.

 Por essas e outras razões, é bem possível que 2024 venha a ser um ano de grande endividamento do Estado, inflacionário e de queda na produção, sobretudo industrial. Desempregados trabalharão nas campanhas. Será, parece, um ano de engolir sapos ouvindo lorotas. Se fosse proprietário de empresa editorial, cacifado financeiramente, compraria logo os direitos autorais da dupla Lula e Janja em 2024.

 Aos 78 anos, Lula dá ideia de não gostar mesmo do trabalho. Vai passar o ano fazendo política: efetivamente, politicagem. Ele não tem mais paciência administrativa, e parece divertir-se com as ansiedades criadas por suas volúveis narrativas. Janja também. De socióloga lá do interior do Paraná, conheceu o mundo inteiro em um ano. A primeira dama é a terceira esposa do 39.º presidente do Brasil. O namoro começou na cadeia. A socióloga petista foi visitar o ex-presidente em Curitiba, e o encontro foi selado com um longo beijo, como nos velhos tempos do “Beijoqueiro”. Deu em casamento.

– As pessoas me acusaram de viajar muito para o exterior em 2023, mas em 2024 vocês vão ver o que é viajar. Vou atravessar esse País de um lado para o outro.

Claro. Tem o compromisso de recuperar a hegemonia do Partido dos Trabalhadores (PT), fragmentada nas operações Mensalão, Lava Jato e o Impeachment de Dilma. Daí que, com os processos cancelados pelo STF, Lula retornou ao cenário político, e mitologizado pela propaganda, ganhou as eleições. Mas o partido que o elegeu ficou em quinto ou sexto lugar.

Contudo, vem dando a volta por cima no Congresso Nacional, por meio de grandes promessas, ensaios e narrativas nem sempre compatíveis com a realidade, e uma habilidosa estratégica de acordos e trocas de favores no espaço do Estado. Se quiser continuar no Poder pelos 30 anos imaginados, o PT terá de ampliar sua base nas eleições de outubro próximo. Possivelmente, como de praxe, vai promover grandes mobilizações em 2024, e Lula vai sair por aí contando velhas histórias com roupagens novas, jogando futebol nos municípios e comendo picanha paga por candidatos.

Pelo Calendário Eleitoral para 2024, as campanhas só começam em julho. Mas o Lula não tem muita paciência com a burocracia e nem com a Justiça Eleitoral. Já anda tentando desfilar em carro aberto pelas cidades do interior. Antecipando o Calendário desfilou assim na cidade de Rio Quente, em Goiás. Fez outras tentativas sem, contudo, muito sucesso. Governar, ele não governa. O PIB de R$ 11 bilhões fica vagando por aí.

Tem no Celso Amorim as ideias e soluções para assuntos internacionais. De outro lado, um conselho político partidário administrando a folha corrida de todos os 5.500 municípios, prefeitos em exercício, os que estão chegando, e – também dos 27 senadores em fim de mandato. As viagens do casal Lula pelo Brasil não serão, contudo, um espetáculo de mamulengo. Sua inteligência está muito acima disso. Em matéria de narrativas literárias e ficções, ele é imbatível. Dá para entender que será seu grande trunfo de campanha: vai sair contando histórias por aí – muita lorota – enquanto a cidadãos vão engolindo sapos.

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Aylê-Salassié F. Quintão –  Jornalista, professor, doutor em História Cultural, ex-guarda florestal do Parque Nacional de Brasília Vive em Brasília. Autor de “Pinguela: a maldição do Vice”. Brasília: Otimismo, 2018

 E autor de Lanternas Flutuantes:
Português –   LANTERNA FLUTUANTES, habitando poeticamente o mundo
Alemão – Schwimmende-laternen-1508  (Ominia Scriptum, Alemanha)
Inglês – Floating Lanterns  
Polonês – Pływające latarnie  – poetycko zamieszkiwać świat  

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