Brasil e México em tempo de violência. Por Fernando Gabeira
By Chumbo Gordo 1 ano agoQuando visitei o México ainda no século passado, minha tarefa era entrevistar o presidente Salinas e, nas horas vagas, visitar o Museu de Antropologia e a casa de Diego Rivera e Frida Kahlo, onde Trotsky se refugiou. Não tinha na época o interesse que tenho agora por estudar a violência no México, algo que, não sei exatamente por que, pode iluminar algumas saídas para o Brasil.
Nas viagens virtuais de agora, não me interessa comparar os índices dos dois países. Tenho a sensação de que a situação lá é um pouco pior, com tantos sequestros e crimes sexuais, além do poderio dos cartéis de droga, voltados para o maior consumidor mundial, os Estados Unidos.
Ao examinar os dois países, sinto que a fronteira, ou melhor, as fronteiras têm grande peso. O México não consegue controlar a fronteira com o grande vizinho; o Brasil, por seu lado, não tem meios para evitar que grandes carregamentos de droga escoem por seu território em direção à África e à Europa. Sem controlar as fronteiras, não vejo condições de pelo menos reduzir o fluxo da drogas.
O México eventualmente tem ajuda dos Estados Unidos. Tanto ele quanto o Brasil podem se beneficiar da queda da produção de cocaína na Colômbia, mas isso é muito pouco. Os cartéis mexicanos são versáteis e competitivos. Quando a competição se acirra, além de trocar tiros, migram para novos produtos. O cartel de Jalisco adotou a metanfetamina no seu cardápio.
Outro aspecto que nivela Brasil e México na questão do combate à violência: não há esforço orçamentário à altura, esforço permanente. Quando a coisa aperta, surgem campanhas para encher os olhos.
A impunidade é considerada um importante fator de estímulo à violência nos relatórios que li. O mesmo problema existe no Brasil. Acontece que, lá, há métodos que podem confundir o espectador. Alguns grupos amigos são protegidos, enquanto seus rivais são perseguidos com rigor, o que dá uma falsa impressão de eficácia.
Outro fator que parece comum é a impunidade. No México, as pessoas desaparecem, e as famílias passam anos buscando pistas de seu paradeiro. Aqui no Brasil, os índices de solução de homicídios são muito baixos. O miliciano que se parecia com o médico assassinado foi condenado a oito anos, em 2022, e já está solto.
É difícil pensar numa política de segurança que atravesse governos e se dedique a tratar desses macroproblemas. Vejo os carros blindados desfilando nas imagens de TV e me pergunto se têm alguma utilidade.
O governo enfatiza a necessidade de inteligência e investigação. Mas essas especialidades, no meu entender, combinam melhor com pequenos grupos de ação destemidos e bem treinados que possam realizar ações pontuais. Creio ter visto uma série televisiva de Israel dedicada a esse modelo. É algo que não está condicionado a uma visão de mundo, mas pede, entre outros, bons equipamentos de localização e comunicação.
Além das questões mencionadas, apenas um esboço, é importante estudar os princípios da guerra assimétrica. Tive a oportunidade de entrevistar o coronel Alessandro Visacro, que escreveu um livro sobre o tema. É um estudo das táticas de grupos numericamente inferiores que usam a população como escudo. Entrar atirando numa comunidade é fazer o jogo deles.
Ao enfatizar o controle de fronteiras, o orçamento adequado, o combate à corrupção policial e as táticas adequadas para a tarefa, não quero dizer que isso soluciona tudo. Antes que me critiquem, sou favorável a uma política social generosa e acho que, sem ela, não se caminha. No entanto é preciso admitir que, sozinha, ela não resolve o problema da violência urbana. É preciso uma política de segurança.
Na verdade, é preciso também haver novas políticas de droga. No México, os dois governos que fizeram a guerra fracassaram. López Obrador, o atual presidente, lançou o slogan “Abraços, e não disparos”. Também não funcionou.
É difícil encontrar o tom e o caminho. Mas é preciso continuar tentando.