primavera - Dr. Alberto Setzer

Dr. Alberto Setzer - vida dedicada à Ciência

Prêmio Nobel para um brasileiro

Foi o estopim para o surgimento de novas políticas públicas contra mudanças climáticas no Planeta. Se temos ainda primavera, Setzer, este sim, merece o “Prêmio Nobel!”

primavera -Nobel
Dr. Alberto Setzer

Rastreava os registros sobre a chegada da primavera, quando surgiu na tela um informe do jornalista e pesquisador Cláudio Ângelo, sobre a morte de Alberto Setzer, cientista espacial brasileiro, descendente de russos imigrados, da equipe do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), de São José dos Campos. Foi ele quem detectou e denunciou para o mundo as queimadas na Amazônia. Tinha com ele um certo relacionamento.

Até os anos de 1980, convivia-se no Brasil, passivamente, com a passagem dos tempos secos, incendiários, do inverno tropical, à espera, em setembro, da primavera, cheia de frutos e flores, aquela da “fresca madrugada”, de que falava o poeta Raimundo Correia. Contudo, no final da década, uma onda de calor sacudiu o hemisfério Norte, registrando-se em Nova York temperaturas acima de 37º C. O Senado americano convocou uma audiência pública, na qual o cientista da NASA – Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço, James Hansen, confirmava que havia “99% de chance de que o aquecimento da Terra vinha da poluição produzida por atividades humanas”.

 Atribuía-se à queima de combustíveis fósseis (petróleo, carvão e gás natural). Mas o problema envolvia um modelo industrializante, que propiciava o crescimento econômico no mundo, e gerava milhões de empregos. No dia seguinte ao encontro, o jornal The New York Times abriu uma manchete: “O aquecimento global começou!”.

A informação despertou, no Brasil, a atenção do jovem e curioso cientista Alberto Setzer para as imagens de satélite que chegavam às suas mãos diariamente. Da sua análise resultou a constatação de que o volume de gases poluidores e mortíferos produzidos na terra espalhavam-se pela atmosfera ao redor do Planeta. Notou ainda que boa parte dele era engolido, contudo, pelas florestas. A Amazônia, com uma extensão contínua de 6,7 milhões de km2, absorvia aqueles gases: gás carbônico (CO2), o metano (CH4) e o nitroso de oxigênio (N2O) que fragilizavam a proteção da terra contra os raios solares.

A floresta em pé ajudava a manter o equilíbrio climático na terra, e protegia a extensa biodiversidade – concluíra -, representada por cerca de 36% das espécies da flora e da fauna. O Brasil detinha 5,2 milhões de km² só na Amazônia. Era o seu grande celeiro. O desmatamento e, sobretudo, as grandes queimadas, para plantio de soja e formação de pastos na área da agropecuária, tratavam a questão com indiferença, despejando na atmosfera enormes volumes de gases venenosos com os extensos desmates e queimadas.

 Setzer via aquilo nas imagens de satélite, e convencera-se de que as queimadas na Amazônia eram um dos pontos críticos das  mudanças do clima no Planeta, pois liberava não só gases tóxicos na atmosfera, mas destruía o solo, poluía as águas e extinguia, em definitivo, milhares de princípios ativos de vida na terra, gerando desequilíbrios climáticos.

O chamado buraco de ozônio e o tal efeito estufa, decorrentes dessas emissões, permitiam a incidência direta dos raios solares sobre a superfície terrestre. Provocariam mesmo secas prolongadas e uma elevação da temperatura na Terra. Com ela, a possibilidade da subida das águas no oceano, pelo descongelamento das geleiras, afogando alguns países-ilhas e centenas de cidades costeiras no mundo. Foi nesse momento de profunda agonia de Setzer que nos conhecemos.

Ele apareceu subitamente lá na sede do IBDF – Instituto Brasileiro do Desenvolvimento Florestal (1987), hoje IBAMA. Era hora do almoço, e não havia ninguém para atendê-lo. Eu era o coordenador de Comunicação. Com elevada paciência e modéstia, começou a me mostrar alguns mapas de queimadas na Amazônia. Levei o maior susto. Nunca havia visto indicadores tão perversos como aqueles. Estava totalmente contaminado pela ideia do desenvolvimento sustentável, descrito no Relatório (Gro)Brundland – primeira ministra da Noruega -, intitulado “Nosso futuro comum”.

Almoçamos por ali mesmo, para ganhar tempo. Lá pelos duas e meia da tarde o Presidente chegou, e sugeri que o recebesse. Setzer conversou com ele por cerca de uma hora, mostrando-lhe os mapas, e retornou à Assessoria para relatar a conversa. Confessou, meio desanimado, que não sentiu entusiasmo sobre o assunto. Jovem ainda, tinha um jeito formal, mas descontraía-se na medida em que conversávamos.

Indignado, disse-lhe: “Dá um tempo… Se nada acontecer, nós vamos passar, clandestinamente, essas informações para a imprensa. Você não diz e nem divulga nada, por enquanto”. Poderíamos ser presos. Eu já não tinha uma boa folha corrida no SNI. Ele topou. Meu contato com a imprensa era amplo. Havia saído de grandes reportagens para a Folha de S. Paulo, Última Hora e o Correio Braziliense sobre projeto Radam e a inundação de cidades e vilas centenárias do vale do São Francisco, pelo reservatório de Sobradinho. A Folha trombeteara: “O Sertão vai virar Mar!”

Agora, mais tarde, na Assessoria do IBDF editávamos uma revista intitulada “Brasil Florestal” (perto de 100 edições) – de caráter semi científico. Publicara dois ou três trabalhos de um professor da Universidade Federal do Paraná, Ronaldo Santos, sobre os “incêndios” florestais e modelos de manejo possíveis para o combate ao fogo. Santos inspirara-se, sobretudo em um monumental incêndio na reserva florestal dos Klabin, no Paraná. Uma destruição assustadora: 200 mil hectares! Coisa assim…

Mas a história do Setzer passara a me intrigar, sobretudo, porque assistia de dentro do órgão o pouco interesse pelos incêndios e, sobretudo, as queimadas. O pessoal só pensava em incentivos fiscais para o reflorestamento. Queimada era uma tecnologia primitiva usada na área da agricultura. O silêncio dos governos e a indiferença das grandes empresas sobre o meio ambiente, iriam fazer surgir um exército de reserva: milhares de organizações civis de defesa do meio ambiente, logo estigmatizados como “ecoloucos“.

Nada acontecera mesmo. Partimos, então, para a denúncia clandestina. Milhares de quilômetros quadrados da floresta Amazônica estavam sendo queimados diariamente, e ninguém se atentava para aquele desastre. Setzer contava cada foco de incêndio que o satélite registrava e media sua extensão. Revelados os números, foi um escândalo nacional e internacional.  Deu manchete e capas em todos os jornais e revistas do Brasil e do mundo. A revista Time puxou uma chamada de primeira página: “A Amazônia está pegando fogo!”.

Foi o estopim para o surgimento de novas políticas públicas contra mudanças climáticas no Planeta. Se temos ainda primavera, Setzer, este sim, merece o “Prêmio Nobel!”

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Aylê-Salassié F. Quintão –  Jornalista, professor, doutor em História Cultural. Vive em Brasília. Autor de “Pinguela: a maldição do Vice”. Brasília: Otimismo, 2018
 E autor de Lanternas Flutuantes:
Português –   LANTERNA FLUTUANTES, habitando poeticamente o mundo
Alemão – Schwimmende-laternen-1508  (Ominia Scriptum, Alemanha)
Inglês – Floating Lanterns  
Polonês – Pływające latarnie  – poetycko zamieszkiwać świat  
Tailandês – Loi Kathong (ลอยกระทง) 

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