Crise climática invade Vale do Jequitinhonha. Por Fernando Gabeira
By Chumbo Gordo 1 ano ago(ARTIGO PUBLICADO ORIGINALMENTE EM O ESTADO DE S. PAULO, E NO SITE DO AUTOR,www.gabeira.com.br, EDIÇÃO DE 15 DE SETEMBRO DE 2023)
Acabo de chegar do Vale do Jequitinhonha, onde fiz dois programas de TV. Além de contar a história em imagens, fiz algumas anotações que me parecem úteis. A primeira delas é constatar que a emergência climática planetária chegou a uma região específica do Brasil, trazendo muitas mudanças. De outras maneiras, isso pode acontecer em muitos lugares, daí a importância de chamar a atenção, de novo, para o dado essencial do momento: a emergência climática está empurrando os países ocidentais e também a China e o Japão a buscarem uma economia de baixo carbono.
Uma das formas de reduzir as emissões, a mais rápida e visível, é substituir os carros movidos a gasolina por carros elétricos. Aí entra a importância do Médio Jequitinhonha, onde há muitas jazidas de lítio.
Empresas de vários países chegaram ao Vale, comprando terras, fazendo pesquisas, produzindo e exportando lítio, como já é o caso de um grupo liderado por uma jovem carioca, Ana Cabral, que tem passagem vitoriosa pelo mercado financeiro de Nova York: contra todos os preconceitos, ela conseguiu montar a empresa, explorar o lítio sem barragens de resíduo (a China compra até os resíduos) e, hoje, o que era praticamente uma startup vale US$ 4 bilhões.
Todas essas histórias e também a da produção cultural do Vale conto no meu trabalho televisivo.
O que quero destacar, aqui, são algumas lições que aprendi sobre como reagir quando o novo mundo aparece de repente, com suas urgências e também com sua eficácia.
Uma das preocupações principais é ambiental. De um lado, as próprias empresas se preocupam com isso, investindo pesadamente na redução do impacto. Mas o fato de produzirem para um mercado internacional em busca da economia verde as torna vulneráveis também, caso não sejam ambientalmente exemplares. Essa variável aumenta o poder dos movimentos locais.
… o Médio Jequitinhonha está bem servido, pois tem um Instituto Federal na cidade de Araçuaí com um moderno laboratório de mineração. Isso não basta, é preciso investimento em cursos, mas já é um bom começo…
Outra dificuldade é a presença de forasteiros e, consequentemente, o aumento de preços dos serviços consumidos também pelos nativos. Não há muitas saídas para isso, exceto a formação de mão de obra na própria localidade. Nesse sentido, o Médio Jequitinhonha está bem servido, pois tem um Instituto Federal na cidade de Araçuaí com um moderno laboratório de mineração. Isso não basta, é preciso investimento em cursos, mas já é um bom começo.
Um terceiro fator que deveria mobilizar a população são os impostos recolhidos nessas novas atividades. Para onde vão? Estão sendo usados adequadamente? Qual o nível de transparência?
Não tenho nenhuma intenção de fazer prevalecer uma pauta. Trata-se de algo subjetivo, bastante diverso numa sociedade tão complexa como a nossa. No entanto, acho que este movimento da economia mundial e suas repercussões no Brasil não deveriam ser esquecidos. Por trás dele está o aquecimento global.
Mesmo alguns fenômenos, como o El Niño, que causou tanta devastação no Sul, deveriam ser objeto de uma atenção especial. O El Niño ganha seu apogeu em dezembro e, certamente, terá um grande impacto, provocando chuvas no Sul e seca no Norte e Nordeste.
Em 1997, o Senado se interessou pelo tema e produziu um bom documento, analisando o El Niño e sugerindo medidas permanentes e emergenciais. Seria preciso voltar ao assunto. O trabalho foi muito bom, mas as consequências, limitadas. Em 1997, o aquecimento global ainda não era vivido com a intensidade dramática de hoje, quando sabemos que a temperatura média no planeta subiu 1,5 grau e, infelizmente, continuará subindo.
O senador Esperidião Amin, que propôs o trabalho de 1997, certamente tentará de novo interessar o Congresso para que se alinhem ao menos os projetos destinados a fortalecer a defesa civil e à mobilização da sociedade, fatores essenciais na emergência.
Mesmo sem discutir agendas subjetivamente formuladas, tenho a impressão de que o Brasil ainda não está muito atento para a realidade, seja a do aquecimento global, seja a da transição para a economia verde.
O discurso presidencial ao menos mudou. Lula pensa de forma oposta a Bolsonaro e também de forma distinta daquela que pensava nos mandatos anteriores.
O Congresso, no entanto, ainda parece sonolento diante do mundo em transformação. A própria mídia não conseguiu ainda ultrapassar como poderia o marco da polarização política que fascina as redes sociais. Terremoto no Marrocos, milhares de mortos nas tempestades da Líbia, alguns desses eventos extremos estão ligados ao clima.
O livro elementar de jornalismo de Fraser Bond dizia: qualquer problema em nossa rua é mais notícia do que um terremoto na China. Eram tempos em que o mundo não parecia tão interdependente. Aliás, continua não parecendo para figuras como Trump e Bolsonaro, com sua temática estreitamente nacionalista. Mas hoje o mundo é um só, nosso destino é interligado e a emergência climática diz respeito à sobrevivência de toda a humanidade.
Não adianta forçar a barra, mas, quanto mais cedo o Brasil virar a chave, quanto mais cedo compreender a grandeza do seu potencial e a gravidade da crise, mais perto estaremos de ter alguma coisa que possa chamar de futuro.
_______________________________________________________________________
Fernando Gabeira*– é escritor, jornalista e ex-deputado federal pelo Rio de Janeiro. Atualmente na GloboNews, como comentarista. Foi candidato ao Governo do Rio de Janeiro. Articulista para, entre outros veículos, O Estado de S. Paulo e O Globo, onde escreve às segundas. Programas especiais – reportagens – para a GloboNews. Semanalmente, o podcast Fala, Gabeira! – no YouTube – https://www.youtube.com/@falagabeira2980
_____________________________________________________________________________