Beijo na boca. Por José Horta Manzano
… Todos entenderam, menos o cartola espanhol. Ao roubar um beijo na boca, fez o que não devia. Pra piorar, instado a pedir demissão da presidência da Real Federación Española de Fútbol, deu uma de marrudinho e bradou: “No voy a demitir!”. E repetiu: “No voy a demitir!”…
Esse señor que, em pleno estádio, diante das câmeras do mundo inteiro, tascou um beijo na boca da capitã da Selección española de fútbol parece estar chegando direto do planeta Marte.
Nós outros, que nunca tiramos os pés deste vale de lágrimas, já adotamos a nova realidade que nos foi incutida a partir de 2017. O mundo despertou naquele ano com a explosão do caso Harvey Weinstein, produtor de cinema americano e voraz predador sexual.
Desde essa época, todos entenderam que não se podia mais tratar a mulher como simples objeto manipulável. Parece incrível, mas tínhamos adentrado o terceiro milênio com uma visão arcaica do sutil equilíbrio entre os sexos. O caso #MeToo deu lugar a reações tão marcantes e universais, que acabou pondo as coisas em pratos limpos.
“Só um sim é um sim” – é uma das palavras de ordem. Todos entenderam, menos o cartola espanhol. Ao roubar um beijo na boca, fez o que não devia. Pra piorar, instado a pedir demissão da presidência da Real Federación Española de Fútbol, deu uma de marrudinho e bradou: “No voy a demitir!”. E repetiu: “No voy a demitir!”.
O resultado veio rápido: seu afastamento forçado por ordem da Fifa, a federação que congrega todas as entidades nacionais de futebol. Resta a esse senhor voltar para seu planeta e se esconder nalguma caverna marciana. No espremer dos limões, não se demitiu, foi demitido.
Vamos agora à informação que O Globo online nos traz. Estou me referindo ao texto reproduzido na entrada deste post. Lá pela quinta linha, o autor nos diz que ele “dá um beijo na boca dela”.
No tempo em que professor ensinava e aluno aprendia, todos sabiam que precisa tomar cuidado para evitar encontros de palavras que produzam sons estranhos ou desagradáveis. Palavrão não é, mas convenhamos que, entre o beijo e a moça, surgir de repente uma “cadela” não tem nada a ver.
“É dez reais por cada dúzia, freguesa!”. Não está no artigo do jornal, mas vale lembrar que esse é outro encontro de palavras que produz cacófato. De repente, no meio da mercadoria, aparece uma “porcada”.
Continuando a leitura do trecho d’O Globo, noto uma inadequação vocabular. O autor diz que o dirigente “se pendura” na jogadora enquanto lhe dá um abraço. Pendurar-se é outra coisa. Roupa pendurada no varal, por exemplo, fica sempre presa por cima enquanto se espicha pra baixo. Não é o que se vê na foto. Repare bem. O dirigente se agarra na jogadora e dá um salto. Ou, se preferir, ele se apoia na jogadora pra dar um salto.
Depois da grita que se alevantou e deu volta à Terra, tenho cá pra mim que hão de se passar décadas até que outra vez um dirigente esportivo ouse beijar na boca uma jogadora.
_______________________________
JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos, dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.
______________________________________________________________