Fominha. Por José Horta Manzano
… Ao saber da reclamação de Boric, Luiz Inácio tomou o ar mais paternalista que conseguiu e desancou o colega chileno. Tratou-o de jovem inexperiente, chamou-o de fominha, explicou que, com o tempo, a experiência virá e que ele se acalmará…
Como é sabido, chefe de Estado (ou de governo) em passeio fora do país é um perigo. É em ocasiões assim que ele costuma “falar abobrinha”. Não sei qual é o mecanismo que leva dirigentes a se comportarem assim, nem cabe aqui discutir a origem: o fato é que assim é.
Mais uma vez Lula comprovou o perigo dessa tradição. Na viagem à Bélgica, que se conclui nesta quarta-feira, o presidente usou e abusou da liberdade que sente quando está longe da pátria. Vamos falar de um desses deslizes e deixar o outro para uma próxima ocasião.
Na hora de redigir o comunicado final conjunto da cúpula UE-Celac, Luiz Inácio ameaçou não assinar caso o documento mencionasse a Rússia. Diante de sua inflexibilidade, o comunicado foi peneirado para excluir o nome daquele país. Ficou meio sem graça, mas não havia outro jeito.
Gabriel Boric, presidente do Chile, não apreciou a prepotência de Lula e ousou exprimir sua discordância. Como todos os quase 30 países europeus e diversos latino-americanos, ele também achava que o documento devia trazer uma firme condenação da Rússia em razão da invasão da Ucrânia.
Ao saber da reclamação de Boric, Luiz Inácio tomou o ar mais paternalista que conseguiu e desancou o colega chileno. Tratou-o de jovem inexperiente, chamou-o de fominha, explicou que, com o tempo, a experiência virá e que ele se acalmará.
Foi muito feio tratar o colega dessa maneira. Lula mostrou que não consegue conviver com o contraditório. Se alguém não estiver inteiramente de acordo com ele, é porque o outro está errado: Luiz Inácio não erra nunca. Foi um acesso de agressividade em público, pra quem quisesse ouvir.
Com a maior cara de pau, nosso presidente voltou a sacar sua “narrativa” favorita para encerrar qualquer conversa sobre a invasão da Ucrânia. Disse que as hostilidades têm de cessar; só então será possível conversar sobre a paz. “Enquanto tiver tiro, não tem conversa” – voltou a bater na tecla.
A falsidade de nosso guia é comovente. Ele sabe perfeitamente que a Rússia invadiu a Ucrânia e se apropriou de 20% do território. É legítimo e compreensível que o país invadido combata para expulsar o invasor e recobrar o território perdido. Cessar o combate significaria concordar em entregar uma quinta parte do território da pátria ao inimigo.
Qualquer um consegue entender que a guerra não pode tomar essa direção. Qualquer um, menos o Lula. Sua hipocrisia é imensa quando prega um cessar-fogo, que significaria entregar à Rússia boa parte do território da Ucrânia. É como se o Brasil fosse invadido e viesse um país estrangeiro sugerir que os brasileiros parassem de combater e entregassem um naco do território nacional aos invasores. Podia ser o Sul, o Sudeste, o Nordeste. Como se diz, pimenta nos olhos dos outros é colírio.
Lula e seus assessores não podem ser tapados a ponto de não entenderem a situação. O ódio que sentem pelos EUA não parece ser grande a ponto de explicar o raciocínio oficial do governo brasileiro. Ou será?
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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos, dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.
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