Burrice? Por José Horta Manzano
… Quando a burrice é demais, a gente desconfia que alguma coisa está errada.Bolsonaro passou seus quatro anos de mandato escancarando sua ignorância e sua lentidão mental…
Advertência
Este artigo foi escrito antes do pedido de desculpas feito no domingo pelo capitão.
Quando a burrice é demais, a gente desconfia que alguma coisa está errada.
Bolsonaro passou seus quatro anos de mandato escancarando sua ignorância e sua lentidão mental. Em certos momentos, sua lerdeza de raciocínio pareceu tão exagerada que muita gente acreditou que ele estivesse forçando a caricatura. Não estava. As revelações sobre sua trama de dar golpe de Estado para permanecer no poder provam o contrário: não havia intenção de parecer mais burro do que era; o que ele desejava ardentemente era tomar as rédeas do país à força.
Só que, como diria o outro, aquilo foi o “antes”, e agora estamos no “depois”.
Com parte da curriola atrás das grades e generais varridos do primeiro plano, a realidade aparece em sua crueza: golpe, não haverá. O ex-presidente poderá se considerar premiado se conseguir escapar à Papuda. Não há mais motivo para se fingir de bobo.
Ora, bem. A cinco dias de um julgamento crucial para ele, o capitão continua surpreendendo adeptos e detractores. Numa cerimônia partidária realizada em Jundiaí (SP), Bolsonaro declarou:
“Agora vocês vão cair pra trás. A vacina de RNA tem dióxido de grafeno, tá. Onde ele se acumula segundo a Pfizer que eu fui lá ver aquele trem lá, no testículo e no ovário. Eu li a bula.”
Esclarecimento
A vacina de RNA da Pfizer é uma das que estão sendo utilizadas no Brasil. Sua bula não menciona nenhum composto de grafeno.
Logo, a declaração é mentira cabeluda, daquelas de fazer o nariz crescer daqui até a esquina. Qual é a intenção do capitão? O julgamento da semana que vem tem por objeto aquele malfadado dia em que Bolsonaro convocou embaixadores do mundo todo para contar-lhes uma baciada de mentiras sobre o funcionamento das urnas brasileiras. Se o tribunal concordar com a tese de que o então presidente espalhou feiquiníus que causaram dano à imagem do país, a pena será a cassação de seus direitos políticos (não poderá votar nem ser eleito por 8 anos).
Sua burrice, por mais arraigada que seja, não o impede de perceber que está na corda bamba. Se ainda tem esperança de escapar à condenação, o mínimo a fazer seria não provocar os magistrados que vão julgá-lo.
Em vez disso, Bolsonaro deu mais um giro na morsa que lhe estrangula o futuro político. Por quê?
Tenho cá minha ideia. Talvez o capitão esteja se projetando nas eleições presidenciais de 2026. Talvez entenda que, com as correntes que arrasta, será quase impossível ser de novo eleito. Pra não passar vergonha, prefere que lhe cassem o direito de ser candidato desde já, assim permanecerá como eminência parda de seu partido, um fazedor de reis desobrigado de passar pelas urnas para demonstrar força.
Se for isso, até que não é má ideia. Vai continuar recebendo polpudo salário do partido (mais as aposentadorias que acumula), vai continuar residindo em palacete protegido e vigiado, vai continuar usufruindo as regalias de ser ex-presidente. E não precisará provar que é bom de voto. Não é um futuro de paxá?
Nova conclusão
No dia seguinte à declaração, Bolsonaro veio às redes pedir desculpas pelo que tinha dito. Alegou que, sendo ele entusiasta do grafeno, acordou com um nó na cabeça e acabou misturando algo de que gosta (o grafeno) com algo que odeia (a vacina). E deu no que deu.
Com a ressalva de o ex-presidente ter feito seu pronunciamento “sob efeito de medicamentos”, como já alegou no passado, a nova conclusão é inescapável: o homem é burro mesmo. De uma burrice espessa, profunda, paralisante e consternante.
Eu não imaginava que seu déficit de raciocínio chegasse a esse ponto, mas sinto que não tem jeito. É burrice irremediável.
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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos, dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.
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Qual capitão? O Chorão?