A mulher do pastor. Por Antonio Contente
… O pastor chegava com a mulher, armava a barraca, inflava o barco, e ia brigar com as ondas. Enquanto isso, sentado numa proeminência do grande tronco, o bonitão…
Naquele tempo, é verdade, o turismo em torno de algumas praias da região de São Sebastião ainda era pequeno, quase diria meio amador. Mas eu tinha um amigo que possuía casinha ali pelos lados dos Toque Toque (Pequeno e Grande) e, de vez em quando, despencava por lá. Nos dias de verão tórrido, dezembro, janeiro, fevereiro o número de pessoas que pintavam chegava até a ser razoável. Porém, de março em diante, com a área batida sempre por boas e criativas chuvas, tudo ficava bastante deserto. E era nesta época que eu gostava de por lá me recolher no imóvel que o amigo me cedia.
E foi numa dessas ocasiões que conheci a boa figura do Jacob, comerciante em São Paulo. Ele me contou que estava lá certa ocasião fora da temporada quando apareceu, na área, a mulher do pastor. É que tais religiosos faziam constante pregação em quase todo o Litoral Norte de S. Paulo; a maioria dos santos homens eram de origem americana.
— Os gringos – Jacob começou – estavam hospedados perto de mim, numa espécie de pousada, das primeiras montadas naquela praia.
— Sim – finco os cotovelos na mesa, para apoiar meu interesse – você disse que o marido dela era pastor. Como você sacou isso?
— Ah – ele sorriu – é que a maioria dos americanos que apareciam por aqui eram pastores.
Começa a enumerar nos dedos:
— Batistas, presbiterianos, metodistas, pentecostais, evangélicos em geral; religiões geralmente de gringos, você sabe.
— Muito bem – dou um suspiro – o homem era pastor. E a mulher?
— Pois é — Jacob levanta o indicador – ela, pra mim, era, pura e simplesmente, a mulher do pastor. E você precisava ver.
— Já sei – lembro logo uma artista da época – verdadeira Elizabeth Taylor…
— Mas que Elizabeth Taylor? Muito melhor, meu caro. Era a cópia pura e escarrada da Kim Novak. Aquela Kim Novak do filme “Picnic”, deslumbrante.
Ele estuda a minha reação e vai em frente. Aponta, do barzinho precário onde estávamos serrando uma cerveja mal gelada.
— Pois o pastor e a bela mulher vinham e ficavam ali, bem perto daquele tronco jogado na areia. Em frente dele.
— Apenas tomando sol?
— Ela sim. Quer dizer, tomava um pouco de sol; depois, se protegia à sombra da barraca.
— E o marido?…
— Ah, o marido… Ele tinha um bote salva-vidas, um desses botes de plástico, inflável.
— Não vejo – dou um sorriso – nada de mais.
— Porém, logo verá – quem sorri agora é Jacob – uma vez que o pastor passava a manhã toda lutando para colocar o bote na água.
— Ora – levanto as sobrancelhas – isso não me parece algo tão difícil assim.
— Não seria, para mim ou para você. Sucede que o diabo do gringo queria levar a coisa para o largo sem um só respingo dentro. E as ondas eram sempre mais ágeis do que ele.
— Já vi tudo – tento demonstrar perspicácia – a mulher acabava se irritando.
— Não, até pelo contrário. Pois no tronco…
— Que tronco?
— Aquele que eu te mostrei jogado na areia da praia. Pois no tal tronco…
Diante da pausa de Jacob fico até meio ansioso:
— O que é que tinha na droga do tronco?
— Um cara.
— Um cara?
— É, um cara. Boa pinta, seus 25 anos no máximo, moreno, queimado de sol, musculoso, um autêntico “latin lover”.
— Todos os dias esse galã estava lá?
— Todos os dias. O pastor chegava com a mulher, armava a barraca, inflava o barco, e ia brigar com as ondas. Enquanto isso, sentado numa proeminência do grande tronco, o bonitão.
— E a fulana?
— A fulana lá, na sua, a ler um livro. Que, aliás, não era a Bíblia, mas sim um dos romances “best sellers” que faziam sucesso na época. Reconheci pela capa.
— Bom – coço a cabeça – com elementos muito menores do que esse que você está me dando, Somerset Maughan certamente sacaria um conto; ou o Tenesee Williams escreveria uma peça.
— Eu não tenho a menor dúvida – Jacob ergue as mãos — e eu estava curioso com o desfecho que a história poderia ter. Um mulheraço daqueles, a cara da Kim Novak, e o babaca do pastor brincando com a porcaria do bote.
— Pois é – dou um gole na cerveja mal gelada – e como é que foi o desfecho?
— Bem – meu amigo modula a voz – no quinto dia das observações precisei voltar para São Paulo.
— Puxa, meu, você me ouriça todo e depois corta a história, abruptamente?
— Não, pois tudo se solucionou mais ou menos um mês depois.
— Verdade? – Me ergo da mesa, em ânsia.
— Verdade. E o desfecho ocorreu na capital paulista mesmo, onde, num dos primeiros moteis que começavam a surgir eu fui com a minha namorada e vi…
— A mulher do gringo com o bonitão da praia? — Tento me antecipar.
— Não – Jacob sorri – o bonitão da praia saindo de mãos dadas com o pastor…
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ANTÔNIO CONTENTE – Jornalista, cronista, escritor, várias obras publicadas. Entre elas, O Lobisomem Cantador, Um Doido no Quarteirão. Natural de Belém do Pará, vive em Campinas, SP, onde colabora com o Correio Popular, entre outros veículos.
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