Aquele macaco sabido. Por Antonio Contente
… — Nada disso mesmo. Sou nativo daqui da região, e não vai ser hoje que comprarei um macaco!
— Um macaco que fala – o nego me olha…
Naquela manhã eu estava na feira anexa ao mercado do Porto Grande, em Salinópolis, litoral atlântico do Pará, quando um homem chegou perto de mim e perguntou se eu queria comprar um macaco. Olhando o animal, de bom tamanho e uma cara simpaticíssima, respondi ao moço que a oferta até poderia ser boa; mas que eu não tinha planos de inserir um símio em minha vida.
— Um o que? – O fulano levantou as sobrancelhas.
— Um símio – confirmei.
— Muito bem – o cara não se alterou – se este macaco que estou lhe oferecendo é símio, pode ficar logo sabendo que é diferente de tudo que já viu.
— Ora – sorri – não vejo nada de diferente. Tem rabo como qualquer macaco, idem orelhas, e até as mãozinhas não diferem absolutamente das dos outros representantes da espécie que já vi e da qual, falam, descendemos.
— Mas acontece – o sujeito olha ao redor, como se temesse que alguém nos ouvisse – que, como lhe disse, esse é diferente.
— Posso saber por que?
— Simplesmente – ele baixa ainda mais o tom da voz – porque este é um macaco que fala.
— Francamente, faça-me o favor – ergo os dois braços – se você estivesse me oferecendo um papagaio, arara ou até mesmo periquito, tudo bem. Mas macaco que fala, meu caro…
— Só que este – passa a mão na cabeça do bicho – fala.
— Ótimo – me preparo para seguir em frente – se você pensa que vou pedir que nosso amiguinho faça um discurso, pode tirar o cavalo da chuva.
— O senhor perderá uma ótima oportunidade – o fulano me cerca.
— Muito bem – resolvo colocar os pingos nos “is” – se o amigo pensa que sou gringo, ou mesmo turista nacional, cai em ledo engano.
— Nada disso…
— Nada disso mesmo. Sou nativo daqui da região, e não vai ser hoje que comprarei um macaco!
— Um macaco que fala – o nego me olha.
— Vá lá que seja – concedo – um macaco que fala. Vai ver que este símio é algum descendente daqueles dos livros de Tarzan que batiam grandes papos com o Rei da Selvas…
— Não sei do que se trata. Mas e se eu lhe provar?
— Provar o que?
— Que este símio, como o senhor o chama, fala!
— OK – na manhã belíssima deixei escorrer minha paciência – vamos lá.
Rapidamente o, se podemos chamar assim, marreteiro, apontou a banca de frutas e disse ao bichinho:
— Vai lá, Chico, quero uma manga.
Mais que ligeiro o macaquinho saltou para o chão, passou pelo tabuleiro dos abacates, abacaxis, laranjas etc. e parou no indicado. Escolheu o que lhe fora pedido e trouxe.
— Entregue para o cavalheiro – o cara apontou pra mim.
Recebo, mas respondo que, absolutamente, não vi o macaco falar.
— Pois então peça pra ele o que quiser.
— Muito bem – avisto a banca dos legumes – quero um tomate.
Ligeirinho Chico se foi e voltou com o que pedi.
— Tá legal – concedo – só que você garantiu que o símio falava; mas, até agora, ele não disse nada.
— Ué, ele não atende o que se pede?
— Atende. Mas, e daí?
— Ora, se ele atende é porque entende. E, quem entende, fala.
— Nada disso, não tente me enrolar.
— Chico – o sujeito se vira para o macaco, a fim de me impressionar de vez – o cavalheiro aqui deseja um café.
Com suspeitada agilidade o animal pula, encosta numa banca que vendia guloseimas e bate na garrafa térmica com a mãozinha. Bateu e apontou pra mim. A vendedora logo encheu um copinho que Chico me trouxe, com precisão e método.
— Muito bem – capitulo – vou levar esse irmão da Chita do Tarzan.
Digo isso, pego algumas notas de 100 reais no bolso e pergunto quanto custava. Foi então que alguém, perto de nós como se estivesse ali para isso, deu um grito:
— Cuidado, pessoal, escondam suas carteiras! Pois estão vindo ali vários políticos do PT, Psol, PMDB, Centrão etc. etc!
O símio primeiro deu um grande salto. Depois, com desenvoltura impressionante sumiu pelo telhado do Entreposto de Pesca. Antes, porém, teve o cuidado de arrancar das minhas mãos os 300 paus. Como na confusão o dono dele também desapareceu, descobri que eu acabara de cair no “conto do macaco”.
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ANTÔNIO CONTENTE – Jornalista, cronista, escritor, várias obras publicadas. Entre elas, O Lobisomem Cantador, Um Doido no Quarteirão. Natural de Belém do Pará, vive em Campinas, SP, onde colabora com o Correio Popular, entre outros veículos.
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