O engodo do “mais médicos”. Por Meraldo Zisman
…O principal questionamento é se é suficiente apenas disponibilizar médicos com um estetoscópio para atender às necessidades de uma população carente e distante dos grandes centros. Como professor de medicina aposentado, tenho receios sobre a proposta denominada de “Mais Médicos”…
O objetivo do aumento do número de faculdades de Medicina no Brasil nas últimas duas décadas era formar profissionais para que atendessem às regiões remotas do país, formando cerca de 50 mil novos médicos anualmente. No entanto, a falta de corpo docente e de centros de treinamento adequados foi um desafio para essas novas instituições, aumentando a possibilidade de que a inexperiência desses novos médicos os levem a incorrer em erros ou causem problemas que podem ter graves consequências para as pessoas.
É importante alertar também que em menos de uma década poderá haver uma saturação do mercado e muitos jovens podem se sentir frustrados em relação à escolha de sua carreira, passando a desviar-se de suas escolhas e missão profissional.
O principal questionamento é se é suficiente apenas disponibilizar médicos com um estetoscópio para atender às necessidades de uma população carente e distante dos grandes centros. Como professor de medicina aposentado, tenho receios sobre a proposta denominada de “Mais Médicos”.
Esquecendo as políticas midiáticas (ou enganosas), sejam de esquerda, direita ou do centrão, é fundamental compreender que a falta de equipamentos de saúde é um dos principais problemas do País e que o médico é apenas um componente do sistema ‘de saúde’. A saúde é uma área complexa, que começa com o saneamento básico e exige profissionais qualificados em múltiplas áreas para que possam oferecer um atendimento adequado. É importante destacar que a proposição de formar mais e mais médicos não leva em conta a complexidade da área da saúde. Mesmo quando bem formados e treinados, os médicos têm limitações quanto tentam atuar em áreas remotas e carentes, por ausência de uma infraestrutura social, psicológica e econômica adequada, que permita a correta prática da Medicina.
Em quase todo o Brasil, a maior patologia é a pobreza e suas consequentes doenças. Nesse sentido, questiona-se qual seria o benefício de enviar um portador de diploma médico com um estetoscópio para as regiões carentes ou para a periferias das nossas cidades, sem esquecer que o Brasil se tornou, ao longo do tempo, mais urbano do que rural.
Em resumo, é necessário compreender a complexidade da área da saúde e que seu funcionamento, mesmo que mínimo, não decorre apenas da disponibilização de médicos. Os equipamentos são essenciais. É necessário investir em infraestrutura social, psicológica e econômica adequada para proporcionar um atendimento de qualidade à população, seja ela rica ou pobre, rural ou urbana.
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Meraldo Zisman – Médico, psicoterapeuta. É um dos primeiros neonatologistas brasileiros. Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha). Vive no Recife (PE). Imortal, pela Academia Recifense de Letras, da Cadeira de número 20, cujo patrono é o escritor Alvaro Ferraz.
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Caro doutor, se não dão conta (porque não lhes interessa) de fazer saneamento básico nessas cidadezinhas esquecidas, que dirá investir em equipamentos médicos…