MOLEQUINHOS E MOLEQUINHAS

Os tempos mudam o sentido até das nossas próprias lembranças divertidas quando, molequinhos e molequinhas, fazíamos – claro – molecagens, traquinagens, algumas inocentes e até outras nem tanto, admitamos, só que sempre ainda com aquele espírito infantil. Eram coisas de criança, perdoáveis, às vezes valendo um castigo, uma sova, um sabão. Ou uma suspensão na caderneta que precisava ser mostrada aos pais e voltar, assinada.

MOLEQUINHOS E MOLEQUINHAS

Meu irmão outro dia me chamou a atenção de que anda percebendo que tem muita gente aí pela rua fazendo pequenas molecagens, gente grande, ou maiorzinha. Às vezes em grupos de dois, três; outras, mesmo sozinhos. Tipo apontar o céu como se ali estivesse acontecendo algo, e fazendo todo mundo olhar para cima. Ou passar e apontar para o seu pé, sem parar, seguindo adiante como se nada tivesse ocorrido. Coisinhas bobas, que até arrancam um sorriso daqueles bons em dias que estávamos submersos e afogados na realidade dura. Ele próprio – vejam só – inventou uma graça, soltando de repente para alguém desconhecido na calçada um sonoro “oi, amigo!” e um aceno, quando passamos de carro. Muitos olham, sorriem, alguns dão tchauzinho. Outros, nem te ligo, continuam com a cabeça enfiada no celular, esse novo mundo particular que suga e entorta os pescoços.

Tentei rever algumas molecagens do tempo de escola, todas bobas que fazíamos até por alguma diferença com amiguinhos, e até com professores. O chiclete ou uma tachinha grudados na cadeira. Esconder alguma coisa. Não lembrei de muitas porque sempre fui boazinha, estudiosa, mas via outros aprontos, repito, se comparados, bem bobos, perto do que hoje denominamos bullying, capaz de gerar tantas tragédias. Hoje, na cultura do ódio que se espalhou pelo globo, no anonimato da internet e vias digitais, a coisa se escancarou, levando a suicídios, vinganças, planos de ataque e emboscadas. Não há mais graça, e é como se os jovens reproduzissem o pior do mundo adulto: misoginia, racismo, humilhações por diferenças de classes sociais, não entendimento de pessoas com necessidades especiais. O tempos realmente mudaram.

Tem se revelado que não é outro o motivo dos tenebrosos massacres nas escolas, jovens que voltam onde estudaram para revidar o sofrimento que ali lhes foi causado, mesmo que nem todos tenham se apercebido disso. Monstros criados pela própria sociedade, alimentados pelo descaso com que são tratadas as dores que sentimos enquanto crescemos, algumas que necessitavam de maiores cuidados. Todo mundo conheceu alguma peste na escola, sabe que crianças podem ser muito más. É de se notar que esses casos horríveis envolvem sempre meninos – não lembro de um desses ataques ter sido feito por alguma menina. O mais comum é que se atraquem tentando arrancar os cabelos umas das outras. Embora o noticiário traga sempre alguns casos terríveis de pequenas jovens assassinas, dando fim em outra, em geral por ciúmes.

Claro que, infelizmente como vimos esses dias, o ataque também possa vir de um adulto problemático e perturbado, em algum lugar que simbolize o que odeia, mas a análise quase sempre revela um problema de infância ou adolescência não resolvido, guardado. Uma maldade cultivada durante anos, agora adubada nas profundezas de grupos malignos que brotam e atravessam portas e janelas dos quartos onde solitariamente dialogam com o obscuro, incentivando entre si o estrelato de seus autores. Invadem as redes, as telas, formam grupos intolerantes. Aí as molecagens ganham outro sentido, desprezíveis, canalhices perigosas e perturbadoras.

Como eles sabem muito melhor do que nós operar esse mundo virtual, sem escrúpulos o fazem, agora aprendendo até a disseminar incontroláveis fake news, como muitas foram efetivadas essa semana, logo após o ataque mortal à creche em Blumenau. As redes nacionais foram invadidas por ameaças citando ataques que seriam realizados em escolas que citam nomes, endereços e até datas.

Precisamos muito falar sobre isso com nossos molequinhos e molequinhas, saber o que acontece nas escolas, atenção às formas de socialização nas escolas, impor esse assunto no tema geral Educação, com treinamento para os profissionais detectarem os primeiros sinais. Não basta botão de pânico, quando ele já está em curso. Não é mais brincadeira, traquinagem, nem infantil, nem inocente, nem boba, quando envolve incentivo de fora, de adultos, ou de quem quer só botar fogo na palha, provocar sadicamente a eclosão do inferno.

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MARLI CG ABRILMARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon).

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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3 thoughts on “Molequinhos e molequinhas. Por Marli Gonçalves

  1. Não é sobre o assunto, mas considero importante…
    Coisas inúteis…
    Existe coisa mais inútil que aquelas que um dia foram importantes, mas agora são apenas retrocesso?
    Pode-se aplicar o conceito a coisas, pessoas ou qualquer momento; objetos e sujeitos acabam no mesmo balaio quando se pensa na inutilidade do que um dia foi e, agora é passado.
    Existem muitas coisas, pessoas ou conceitos que se perderam com o tempo, mas ainda sobrevivem de alguma forma.
    Como bem sabemos o mundo anda para a frente e mesmo que andemos para trás, nada mudará seu curso; faremos apenas papel de caranguejos, bobos e sujeitos ao escrutínio de quem assim nos ver.
    Tudo isso me leva ao papel do papa…
    Antes, um elemento importante nas cortes europeias, as quais sem sua benção não podiam agir, casar ou tomar terras de outra corte.
    Isso foi a mais de 200 anos…
    Bem, teve Henrique VIII, que querendo casar com infinitamente rompeu com o Vaticano e criou sua própria igreja.
    Outro – Martinho Lutero – também assim o fez, mas não é o assunto de agora.
    Para que serve no momento atual o Papa?
    Apenas para pedir orações aos desvalidos, criticar atitudes de tiranos, manter status de líder de uma igreja cada vez mais condenada por crimes sexuais, escondidos em falsas afirmações, enfim um muito do que sempre foi, mas agora exposta.
    Poderíamos estender o comentário a muitas outras mazelas, mas ficamos com uma: como sua “santidade” pode opinar nas razões que levaram o nosso atual presidente à cadeia?
    Quais documentos possui – além da fala mansa – existem que desmentiriam o conjunto de provas que condenaram Lula?
    E, afinal, a razão de imiscuir no assunto?
    Falta de outros problemas mundiais não existem…
    Coisas inúteis existem e, a fala, a pessoa, o conceito e atitudes levam a crer que deveria ser repensada a pessoa de tamanha inutilidade que é um “papa”.

    inté

    SP 08/04/2023 17:00 hs

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