Nem tanto ao céu, nem tanto à terra.

Nem tanto ao céu, nem tanto à terra. Por Silvia Zaclis

… A desigualdade social tem sido a culpada mais citada  nesse tiroteio. Ora, no Brasil, a desigualdade social é, de um jeito ou de outro,  culpada por todos os nossos mais agudos problemas.

Nem tanto ao céu, nem tanto à terra.

Sob o choque da tragédia em São Sebastião, no Litoral Norte de São Paulo, a busca por culpados está parecendo aqueles duelos de pistoleiros de bangbang que saem atirando para tudo que é lado com as armas que escondem em dezenas de bolsos e sei lá mais onde.

A desigualdade social tem sido a culpada mais citada  nesse tiroteio. Ora, no Brasil, a desigualdade social é, de um jeito ou de outro,  culpada por todos os nossos mais agudos problemas. É, portanto, uma opinião simplista colocar, agora, “os ricos” contra “os pobres”; “os ricos” significando “os donos de mansões que  só pensam em si e não se solidarizam com ‘os pobres”. E “os pobres” como vítimas da expansão imobiliária que os empurra para cada vez mais longe … ou mais alto, nos morros; que “escolheram” morar onde não devem, etc”.

A verdade é que a economia da região depende majoritariamente do turismo; e não vejo como ter turismo sem turistas. Essa multidão de turistas não viria se não houvesse uma estrutura de serviços capaz de atender suas demandas. É uma relação simbiótica e muito mais ampla do que a polaridade possa descrever.

Os grandes desastres quase nunca são causados por um fator apenas. São resultado de uma sequência de decisões equivocadas causadas por  ignorância, falta de verbas, negligência, soberba, insensibilidade, incompetência, avareza ou uma combinação disso tudo.

Já há algum tempo, o Litoral Norte é visto como a joia da coroa dos veranistas paulistanos, com admiradores em todos os cantos do país. Uma desgraça ocorrida naquelas praias toca pessoalmente uma multidão de fãs. É como se fosse uma perda pessoal. É como eu me sinto. Mais um motivo para a  irritação que sinto ao ler e ouvir generalizações estéreis.

A equação fecharia se, por conta dos impostos pagos pelos proprietários das casas luxuosas, pelos condomínios, pelos turistas eventuais e pelos estabelecimentos comerciais, as autoridades, sob as vistas da sociedade civil, conseguissem desengavetar os estudos sobre a relocação da população residente em áreas de risco. Além, é claro, de executarem obras de prevenção, contenção e programas permanentes de manutenção. E mais educação ambiental.

Um morador de uma dessas praias negou-se a deixar sua casa. O perigo é imenso, mas a família foi incapaz de  dissuadi-lo. Ele explicou que temia que a casa fosse saqueada durante sua ausência.

O governador prometeu proteção policial a esses imóveis. OK, vamos acreditar que isso seja possível.

Triste imaginar um cenário desses; o saqueador deve ser parente do vendedor que chegou a cobrar  90 reais por uma garrafa de água e do empresário que decuplicou o preço do voo de helicóptero entre a praia e São Paulo; e também do grupo de jovens que, segundo relato de uma testemunha, estava tranquilamente curtindo cerveja e churrasco em pleno day after.

Se é para atribuir culpas, que cada um assuma a sua. Digamos que sejamos todos culpados… nesse momento, o tiroteio deve ser concentrado todo em um só alvo: realizar o que já devia ter sido feito há muito tempo.

Sem perder ainda mais tempo.

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SILVIA ZACLISÉ JORNALISTA

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