Mentiras, juros e esperança. Por Fernando Gabeira
By Chumbo Gordo 2 anos agoMuitos temas competiram na minha cabeça. Escrever sobre o que nesta semana? Originalmente pensei num artigo sobre um Santos dos nossos dias, o deputado republicano George Santos, de origem brasileira.
Ele é sem dúvida o maior mentiroso dos últimos tempos. Nos programas de TV americanos, basta citar seu nome para que a plateia ria. Lembra-me algumas histórias de criança, Pinóquio, Barão de Munchausen.
Minha ideia era mostrar que, apesar de mentir sobre tudo, ele mentiu com tanta maestria que conseguiu se eleger pelo Terceiro Distrito de Nova York. Aos republicanos, apresentava suas credenciais de trabalho no mercado financeiro, na Goldman Sachs; aos liberais democratas, apresentava sua falsa origem, avós escapados dos campos de concentração. Ele se fazia de duro ou de vítima, de acordo com as bolhas da internet.
Estava pensando no tema quando surgiu a história do Team Jorge, o grupo de Israel que criou um exército de perfis falsos nas redes, falsificou documentos e fez guerra psicológica para intervir em mais de 30 campanhas eleitorais pelo mundo.
O grupo foi descoberto por um grupo de jornalistas investigativos e comprova como um número maior de sofisticadas empresas tecnológicas trabalha para sabotar a democracia no mundo.
Pensei nesses temas, em interligá-los talvez. Mas vivo uma semana especial, em que celebro mais um aniversário. Tenho de tomar cuidado com a competição de muitos temas na cabeça. Aliás, estou pedindo aos amigos que não se esqueçam de me avisar, quando deixar de dizer coisa com coisa. Nada de grave: estou me preparando para voltar ao trabalho de imagens, em que a noção de nexo tem latitude muito maior.
Foi nesse momento da semana que experimentei uma inflexão temática. O motorista do táxi me disse que queria trocar de carro, mas não podia porque os juros estavam muito altos.
Caí de novo na realidade brasileira. Já tinha afirmado algumas vezes que não consigo sozinho determinar a taxa de juros num determinado momento histórico. Cheguei a perguntar a meu novo assessor, o ChatGPT, a quem pago um salário mensal de R$ 29. Pelo menos, não delirou como costuma fazer em algumas respostas: teria de ver a inflação, a atividade econômica, a disponibilidade da moeda, a conjuntura internacional.
Nada me garante que ao fim dessa pequisa descubra a taxa correta. Sei apenas que, assim como o motorista de táxi, estou esperando o Brasil crescer. Recebi de amiga professora um bilhete dizendo que sonha com a reconstrução das escolas, assim como muita gente está à espera de realizar operações atrasadas nos hospitais.
No fundo, só posso dizer sobre taxa de juros que é preciso uma discussão inteligente e civilizada, assim como um avanço na política econômica (reforma tributária, âncora fiscal) para que a gente chegue logo a algum lugar.
Para mim, esse lugar é aquele que pode atrair investimentos internacionais, por causa do meio ambiente, de nossa energia limpa e de outros fatores que abrem para nós uma grande oportunidade.
Na verdade, estou esperando o momento da verdadeira recuperação e desenvolvimento sustentável da Amazônia. Tenho falado muito de um livro sobre economia, da americana Mariana Mazzucato, chamado “Mission economy”. Ele mostra como a conquista da Lua uniu governo e iniciativa privada num esforço econômico de grande alcance.
Não me importa se o dinheiro estatal é curto ainda; as possibilidades de uma campanha não oficial pela Amazônia podem contribuir para resolver o problema. E o problema da Amazônia para mim é da mesma dimensão da conquista da Lua. Só a batalha para salvar os ianomâmis está abrindo inúmeras frentes. A compensação pelos estragos da usina de Belo Monte no Xingu é outra tarefa de grande alcance. Ela foi construída em 2011 e, em 2022, o STF reconheceu que não cumpriu as exigências legais.
Por isso disse ao motorista de táxi: precisamos resolver logo esse problema, não só pelo seu carro novo, mas porque o carro de todos precisa voltar a andar.