Futuro e Brasil. Por Meraldo Zisman
Brasil, um País do Futuro (Brasilien: Ein Land der Zukunft), é o título em português da obra do autor judeu-austríaco STEFAN ZWEIG (1881–1942) o qual, fugindo ao nazismo, se radicou na cidade de Petrópolis, onde cometeu suicídio com sua mulher.
É bom recordar a denominada “solução final”, duas palavras que significavam a eliminação de judeus, ciganos, homossexuais, retardados mentais, etc. Para os nazistas, os judeus representavam um inimigo tanto dentro como fora da Alemanha e eram considerados como causadores do sistema de exploração do capitalismo (direita) ou do comunismo (esquerda).
Eles, os judeus, eram acusados de promover e usar sistemas de governo e de organização de Estado, incluindo constituições, proclamações de direitos iguais para todos e paz internacional, para minar a consciência das raças superiores, como a alemã, e para possibilitar a diluição do sangue superior pela assimilação e pelos casamentos inter-raciais, criando uma raça humana degenerada e comprovada, segundo diziam, pela ciência eugênica. A palavra eugenia deriva do grego e significa “bom em sua origem ou bem-nascido”.
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Mas, volto ao tema Brasil e o futuro, daquele judeu-austríaco.
Seu principal biógrafo, o jornalista Alberto Dines (1932-2018), afiança: “a obra deste judeu constitui-se em “caso único de livro convertido em codinome nacional: BRASIL — O PAÍS DO FUTURO.”
O verbete futuro está dicionarizado no Aurélio, que o define como tempo que está por vir, que se segue ao tempo presente, figurado como, ou em sentido figurado: — Sucessão de situações e acontecimentos que não se pode evitar, que está por vir; destino.
Esclarecido isso, passo a comentar agora um livro que li antes das eleições (30 de outubro de 2022), de autoria do agora eleito Deputado Federal pelo Estado de São Paulo Guilherme Boulos, SEM MEDO DO FUTURO, prefaciado pela ex-prefeita Luiza Erundina (Editora Contracorrente, 2022) e publicado em abril do ano em curso.
Discorre o autor sobre a situação dos sem tetos da/na maior cidade da América do Sul – São Paulo ou Sampa, como costumam chamá-la. Eu, judeu-nordestino, não entendo a referência do escritor ‘Deputado eleito’ que transcrevo da página 105 do seu escrito.
“… quando visitei os territórios palestinos ocupados, em uma parede de uma casa, várias vezes derrubada pelo exército israelense e sempre reconstruída por seus moradores, vi uma frase que assim dizia: existir é resistir. Para o autor essa frase representava “um grande gesto de resistência” do povo palestino contra a ação do exército de Israel. E avançava para São Paulo: “O povo da periferia urbana também constrói diariamente suas próprias estratégias de sobrevivência como resistência.”
Quanto à última frase, parafraseio o psicanalista e linguista francês Jacques Lacan (1901-1981): Você pode saber o que disse, mas nunca vai saber o que outro escutou. Você, leitor, pode ler o que escrevi, mas jamais vou saber o que você entendeu.
Em suma:
Seja você da esquerda ou da direita, pouco importa, o preconceito não tem cor e muito menos posições cardinais, seja Norte, ou “Setentrional ou Boreal” ou Sul, “Meridional ou Austral”.
O que sei é que o preconceituoso é um ser gasoso de sentimentos e, como tal, a sua forma vai depender do feitio que o alberga. O seu continente é a do seu próprio sentimento humano. Voltarei ao assunto de tais sentimentos humanos.
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Meraldo Zisman – Médico, psicoterapeuta. É um dos primeiros neonatologistas brasileiros. Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha). Vive no Recife (PE). Imortal, pela Academia Recifense de Letras, da Cadeira de número 20, cujo patrono é o escritor Alvaro Ferraz.
Acaba de relançar “Nordeste Pigmeu”. Pela Amazon: paradoxum.org/nordestepigmeu
Concluí a leitura dos 3 volumes de Escravidão de Laurentino Gomes. Quantas descobertas e da Bahia até o Maranhão o escravismo atingiu o seu máximo apogeu, além da monocultura e concentração de terras (também de poder, riqueza e prestígio). Página 253 Domingos José Martins, (filho) do nosso herói capixaba Domingos José Martins da revolução pernambucana de 1817 na primeira metade do século XIX foi importante comerciante de escravos na África em parceria com os portugueses. Que contradição!
Os brasileiros de outros estados não podem entender como a figura e os feitos de Domingos José Martins são importantes para os Capixabas. Ele é o nosso herói da Independência. Mas ser comerciante de escravos sempre foram símbolos status, poder e prestígio entre as Zelites africanas, portuguesas e brasileiras. Estamos abaixo da linha do Equador a serviço dos países hegemônicos e seu capitalismo. Desse modo insistir em preconceitos de todas as matizes é munição para quem constrói as narrativas mais convenientes.
Com certeza, o preconceituoso é um ser gasoso e se adequa e se amolda – eu diria – de acordo com suas conven iências, principalmente se o arrivismo lhe for subjacente.
Stefan Zweig e Boulos não poderiam nunca estar num mesmo artigo, mesmo que distanciados entre o seu início e fim: deprecia sobremaneira o primeiro e eleva a uma condição a que nunca chegará por mérito próprio o segundo- é o único reparo a fazer.