BESTEIRA

Besteira pouca é bobagem. Coluna Carlos Brickmann

EDIÇÃO DOS JORNAIS DE DOMINGO, 9 DE OUTUBRO DE 2022
BESTEIRA

Falta pouco para a escolha do presidente da República. Até agora nenhum dos dois candidatos disse o que pretende fazer se for eleito. Lula, segundo pessoas próximas, aproveitará seu mandato para lustrar uma biografia de extrema esquerda, com estatizações, regulamentações generalizadas (o que inclui a imprensa, num retorno à Censura), volta à política dos “campeões nacionais”. Segundo outras pessoas próximas, vai aproximar-se da classe média, com políticas que exercitou em seus mandatos e baseadas na Carta aos Brasileiros. Bolsonaro garantirá verbas à Educação e à Pesquisa, irá se afastar ou se aproximar da China, continuará a administrar por atrito?

Os dois candidatos se esmeram, ao contrário, apenas em campanhas de destruição da imagem do adversário. Lula desenterrou uma velha declaração de Bolsonaro, de estupenda falta de senso, dizendo que só não comeu carne de índio por falta de companhia. Bolsonaro recortou uma fala de Lula para inverter seu sentido: Lula disse que nenhum governo investiu em educação e foi preciso que ele, quase analfabeto, abrisse universidades e garantisse verbas para o ensino. Bolsonaro só manteve a parte referente a “nenhum governo investiu em educação” no vídeo que divulgou, para dar a impressão de que Lula incluía seu governo entre os que não gastaram com educação.

Em 1692, houve uma caça às bruxas em Salem, nos EUA. Não é que agora, mais de 300 anos depois, a eleição aqui gira em torno da religião?

 De volta para o futuro

Em 1618, na Europa, começou a Guerra dos 30 Anos, entre protestantes e católicos. No final, houve um acordo: em cada Estado a população teria a religião de seu monarca. Naqueles tempos, era estranhíssima a ideia de que cada pessoa pudesse ter a religião de sua escolha. E que é que discutimos no Brasil de hoje? Se um candidato ter visitado um templo maçom é suficiente para que não se vote mais nele, ou se evangélico deve ser obrigado a votar em evangélico. No século 15, Galileu Galilei demonstrou que a Terra é uma esfera. E hoje temos discussões sobre a Terra plana.

Só falta discutir se os índios têm alma – e dá até medo ver essa ideia voltar na campanha eleitoral mais antiga de nossa História.

Boa notícia

O jornalista e escritor Ruy Castro, competentíssimo, é o novo membro da Academia Brasileira de Letras. Castro, com seu texto deliciosamente agradável, é colunista da “Folha de S.Paulo”, autor de excelentes biografias de Garrincha, Carmen Miranda, Nelson Rodrigues, de livros sobre movimentos musicais – “Chega de Saudade”, “A Onda que se Ergueu no Mar”, sobre a bossa nova, “A Noite do Meu Bem”, sobre o samba-canção, e sobre o Rio de Janeiro, sua cidade do coração (embora tenha nascido em Caratinga, Minas Gerais).

Pois Ruy Castro é carioca como poucos cariocas. É capaz de escrever sobre temas dolorosos e complexos com sinceridade e mantendo uma qualidade literária que agrada a todos. Ruy é alcoólatra e narra sua luta diária contra o problema; já foi demitido por adultério. Um nome que engrandece a Academia Brasileira de Letras. Como escreve bem!

 A marcha das urnas

Já saem as primeiras pesquisas sobre o segundo turno, com vantagem para Lula, mas encostado no empate técnico. De qualquer forma, é cedo: a campanha está aberta e o fôlego do bolsonarismo e de Bolsonaro surpreendeu. Haverá erros e alguns, em ambas as candidaturas, podem ser fatais. Lembremos que, nas eleições de 2018, uma declaração infeliz de Ciro Gomes (de que o papel de sua então esposa Patrícia Pillar na campanha era o de dormir com ele) provocou forte queda em seus índices.

 As mudanças

Bolsonaro está um pouco atrás, mas tem a caneta, a tinta e a disposição para utilizar todo o poder da Presidência na luta pela reeleição. Pode-se achar um monte de defeitos no presidente, mas ele não pode ser subestimado. Sim, pode ser grosso, tosco, o que se quiser, mas burro não é: burro não chega até onde chegou. E não leve muito a sério a tradição de que ninguém ganha uma eleição se não ganhar em Minas Gerais: a tradição existe enquanto existir, e nada impede que seja modificada. Lula, sem dúvida, tem mais carisma. Mas ou mostra o que pretende fazer se eleito ou corre grandes riscos.

Bolsonaro mente com a maior tranquilidade (agora, nega que tenha prometido nomear um ministro terrivelmente evangélico para o Supremo. Mas já nomeou André Mendonça; já comentou que gostaria de ver o STF iniciar as sessões com uma oração). A mentira pode ou não pegar e influir poderosamente nos números finais.

A grande pergunta

Uma dúvida: sabendo-se que o país está dividido e que é muito mais difícil governar assim, qual dos candidatos terá planos para reduzir o ódio entre as alas predominantes no país? Algum candidato terá esses planos?

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2 thoughts on “Besteira pouca é bobagem. Coluna Carlos Brickmann

  1. Caro Carlos, não importa quem ganhe, o nós contra eles (iniciado por Lula – todos parecem fazer questão de esquecer – e adaptado e incrementado por Bolsonaro) continuará a vigorar com tanta ou mais insistência.
    Bolsonaro mente, é um fato.
    Lula não fica atrás: continua dizendo que foi inocentado pelo STF quando isso na verdade é um tapa na nossa cara, uma arrematada e acintosa mentira que ele – à moda de Joseph Goebbels (ministro da Propaganda de Adolf Hitler, cujo mantra era ‘uma mentira repetida mil vezes se torna verdade’) – se acostumou a dizer e na qual parece já acreditar…
    Estamos entre duas caldeirinhas e não temos como nem para onde fugir.
    Ambos os candidatos se equivalem.
    Diga uma má qualidade de um deles e lhe mostrarei a contrapartida.
    Você mesmo exemplificou no texto uma delas, a má intenção de cada um em espalhar fake news contra o oponente.
    Nem um, nem outro, mas o fato é que um deles ganhará a cadeira presidencial – e que Deus, mais uma vez, tenha compaixão deste povo ignorante que gosta de ser enganado por uma cenoura balançando à sua frente.

  2. Prezado jornalista. Segundo ‘pessoas próximas’ (aliás, quem?), Lula pode até querer lustrar uma biografia de extrema esquerda, desde que não seja a sua própria… Cite um só ato administrativo de extrema esquerda de autoria do cara e eu dou a mão à palmatória. Só que isso não existe: de extrema esquerda, ele nunca foi. Só pra deixar claro, mesmo que Lula queira estatizar certas empresas estratégicas (e não creio que ele pense nisso, nem que o tenha proposto na campanha corrente), ainda assim de extrema esquerda ele não será. Esse tipo de proposta é, no máximo, é de uma esquerda estatizante, mas democrática, de que Lula, diga-se, afasta-se desde seu primeiro dia mandato, em 2003. ‘Estatizar’ não torna um candidato extremista. Extremista, ele seria se propusesse algo como ‘desapropriar’ patrimônio privado produtivo, ou – mais ainda – realizar no país uma revolução popular das estruturas do modo de produção, o que resultaria numa ‘ditadura do proletariado’ – e, aí sim, poderia ser chamado de ‘comunista’. Tal como o antigamente chamado de ‘sapo barbudo’ se apresenta hoje, ele é, no máximo, um candidato da centro-esquerda democrática. Não tenha tanto medo dele.

    No entanto, o que mais me incomoda nesse tipo de conversa (sobre o que ‘dizem por aí’ dos candidatos) é exatamente o que lhe falta, não o que lhe sobra: clareza sobre o que desde já um deles (e apenas um deles) está fazendo. É indesculpável que o país dedique seu tempo ao que Lula não prometeu na área econômica, e dele cobre uma posição imediata sobre isso, quando, na candidatura ao lado, que abusa de crimes eleitorais e outros definidos pela Constituição, o adversário divulga livremente que pretende anexar o STF ao seu círculo de poderes, ali instalando mais cinco ou seis terrivelmente obedientes. Pra dizer de modo simples, é o caminho da autocracia plena, também conhecida por aí como ditadura – afinal, ele já tem o Congresso, que comprou pagando caro, e a PGR, que saiu barato, como se diz no popular. E, com tudo isso de bem concreto acontecendo a céu aberto no Brasil, ainda há quem queira apontar o dedo a Lula é gritar: ‘quer controlar a imprensa, quer controlar a imprensa!’ (outro delírio, aliás). Sim, como Lula é malvado, né…

    Quem quiser votar do autocrata que terminará com a democracia brasileira, que o faça. Só não reclame depois. Um dia, é ele que vai querer controlar a imprensa – e, ao contrário de Lula, vai efetivamente fazê-lo. Uma ditadura de extrema direita pode até parecer boa aos olhos de alguns, que temem a esquerda como o diabo teme a cruz, mas será que é mesmo…? Ainda há tempo para pensar.

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