London Bridge

“London Bridge is down!…”. Por Aylê-Salassié Filgueiras Quintão

… Desse momento em diante, quem, simbolicamente, manda, no Reino Unido, é o rei Charles III (Charles Philip Arthur George) e as maldições históricas. A primeira-ministra é comunicada em código: “London Bridge is down!”  …

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A Rainha morreu. Vida longa ao Rei!…  Não dá quase tempo para respirar. A partir daquele momento, em cerimônia interna, todos se curvam e aclamam o sucessor. A Guarda Real assume o seu posto e, imediatamente, coloca-se a seu serviço. Desse momento em diante, quem, simbolicamente, manda, no Reino Unido, é o rei Charles III (Charles Philip Arthur George) e as maldições históricas. A primeira-ministra é comunicada em código: “London Bridge is down!”

Parece um Golpe de Estado. Mas, não. É assim que se faz na Inglaterra. A proclamação oficial do  novo monarca, pelo chamado Conselho de Ascenção,  acontece dois dias depois na presença dos membros do Parlamento, do Judiciário, do clero,  representantes dos chefes de Estados dos países da Commonwealth (ex-colônias, que, independentes,  ainda cultivam a monarquia inglesa como chefe de Estado) e toda a Família Real

Muito diferente por aqui. Discute-se exaustivamente a eficiência e a neutralidade da tecnologia ou a possibilidade de fraude nas eleições. Concluído o pleito, o anúncio do resultado é provisório. As dúvidas são tantas, e é tanto recurso na Justiça que o reconhecimento dos vencedores oficialmente demora ainda uma semana. Perde-se depois um tempão escolhendo os convidados.

 No Reino Unido, em que pese aquele cenário aparentemente cabuloso, as cerimônias reais são lindas, competentemente iconizadas, e reproduzidas por uma vasta literatura, que as descreve ao longo da história. Embora de origem indiana, o simpático embaixador inglês, Mr. Vijay Rangarajan, sequer reagiu, quando, após tirarmos uma fotografia juntos na Feira dos Estados, em Brasília, contei-lhe que havia recusado um chá com o príncipe Charles e a rainha-mãe, Margareth, um doce de pessoa, no Palácio de Buckingham. Tremendo vacilo.

Verdade, é com um chá com membros da família real que os ingleses sacramentam a presença dos correspondentes estrangeiros no Reino Unido. Fora convidado para aquele chá da tarde. Fiquei sabendo depois quem estaria presente. Jornalista, cobria a City, e a confusão que o fluxo abundante dos petrodólares estavam provocando na economia mundial, afetando preços de energia, das commodities, os juros no mercado financeiro. Brasil, Argentina, México. Turquia, Egito até o Irã estavam assumindo dívidas astronômicas.

Na City havia me aproximado de alguns empresários, banqueiros em atividade, parlamentares, com o embaixador Roberto Campos, Rio Branco, Jório Dauster, secretários de organizações de commodities, mas, concomitante, fiz amigos também no Conselho Britânico, na British Historical and Geographical Society, na Universidade de Londres, e com outros correspondentes. Já fora credenciado pelo Foreign Press, e não prestava muita atenção nas atividades da Família Real, que reputava como uma fantasia dos ingleses.

Em casa não se pensava assim. Informei a mulher sobre o convite. Ela se alvoroçou:  “Posso ir também? ” Prometi perguntar, e o fiz: uma indelicadeza. Não era um chá no Picadilly Circus, nem um piquenique no Hyde Park. O Cerimonial do Palácio pediu tempo para uma consulta interna.

– “Não, não pode! O convite é só para o senhor”(Para mim e, certamente, para três ou quatro outros correspondentes). Declinei. Era muito agitado. Não consegui perceber o tamanho da grosseria que havia cometido… e logo contra quem: a rainha-mãe, uma simpatia.  Não fui convidado para mais nada. O casamento da Lady Di tive que assistir da rua. A sorte é que a Internacional House ficava em um prédio na frente da avenida The Mall, por onde passavam os chefes de Estado para audiência com a Rainha. Dali assistia ao tráfego de carruagens e de grandes limousines, transportando, reis, rainhas, presidentes, ditadores e até chefes tribais, guiados pela a Guarda Real.

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Certo dia, na casa da professora de inglês, um de seus filhos, já no final da infância, pegou um álbum de fotografia da Família Real, que estava sobre uma mesinha, abriu-o, apontou o dedo para o príncipe Charles, dizendo: “Olha aqui esse bobão!…”. Só não apanhou, porque eu estava ali. Levou um bronca dos pais que o retirou da sala e o colocou de castigo. “Para aprender a ter respeito com nossos governantes!”

Como correspondente, pelos Associados (Correio Braziliense), nunca me propus a discutir mesmo o papel político da Família Real, nem mesmo aquelas querelas agressivas no Parlamento, tipo esses xingamentos que ocorrem por aqui. Achava que não tinha esse direito. Fui para lá com um projeto de cobertura do mercado internacional da City, um bairro isolado em Londres, onde se reúnem mais de 800 bancos, bolsas e organizações internacionais de valores e de commodities, de seguros, de transportes, empresas de fretes e um universo de negócios dos mais variados.

Fora recebido com atenção pelos ingleses. A convite deles visitei vários lugares que por aqui nem se imaginaria. Ainda no Brasil, chegara a trocar duas a três palavras , laconicamente, com a rainha Elizabeth e o Príncipe Phillips, cobrindo uma visita que faziam a uma escola parque modelo na SQS 114 Sul. Em nenhum momento alguém  me  empurrou, me xingou ou me agrediu, diferente de outras delegações que também cobrira.

Enfim, guardo da Família Real belas lembranças. Achava a rainha Elizabeth bonita e delicada, e seus castelos – Buckingham, Windsor, Saint James e Balmoral – personagens mesmo de contos de fadas que lera na infância, lá em Piraúba (MG), minha cidade de origem. Pelo príncipe Charles nunca nutri qualquer simpatia especial, mas sou obrigado a reconhecer que ele ajudou muito ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente – IBAMA, no qual fiz carreira paralela, e chefiei campanhas ambientais pelo Brasil – que o diga o – infelizmente falecido – ambientalista gaúcho José Lutzenberger. Charles sempre ajudava na captação de recursos para a proteção da Amazônia contra queimadas.

Com essas malfadadas lembranças dá-se uma trégua para as mentiras e agressões da campanha presidencial no Brasil de 2022, e nas atitudes dos candidatos e no tratamento entre si, em total desrespeito à população, cuja soberania é ironizada em palanques e nas ruas. Já fomos melhores, mais honestos e mais contidos no tratamento com os pares e opositores. Já tivemos mais respeito pelas instituições e pelos nossos governantes.

 O cinismo dos políticos chegou a tal ponto que os candidatos se intitulam deuses. Não vi isso na milenar monarquia inglesa ou qualquer outra. Os problemas ali parecem todos humanos. Se o regime fosse ruim, os cidadãos não estariam chorando a morte de Elizabeth II, nem levando milhares de buquês de flores para depositar nos portões do Palácio de Buckingham. Por aqui, não tem isso. Até as histórias tem vida curta.   Na campanha, até agora ninguém mereceu o trono, flores e muito menos aplausos.

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Aylê-Salassié F. Quintão – Jornalista, professor, doutor em História Cultural. Vive em Brasília. Autor de “Pinguela: a maldição do Vice”. Brasília: Otimismo, 2018

 E autor de Lanternas Flutuantes:

Português –   LANTERNA FLUTUANTES, habitando poeticamente o mundo
Alemão – Schwimmende-laternen-1508  (Ominia Scriptum, Alemanha)
Inglês – Floating Lanterns  
Polonês – Pływające latarnie  – poetycko zamieszkiwać świat  
Tailandês – Loi Kathong (ลอยกระทง) 

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