sua majestade, o rei

Sua Majestade, o rei. Por José Horta Manzano

… Vamos ver se o novo rei aguenta o tranco. Não será fácil, visto que sua popularidade é bem mais baixa que a da mãe, sem contar a esposa, vista por muitos britânicos como uma intrusa…

sua majestade, o rei

Dizem que a morte de um ancião nunca é uma tragédia, mas o caso da rainha Elizabeth talvez seja a exceção que confirma a regra. Ela era, com certeza, a pessoa mais conhecida do mundo, e seu desaparecimento deixa um vazio. Todos os veículos da imprensa mundial, sem exceção, dão destaque hoje à morte da rainha.

Na Inglaterra, até aqueles que são contra a monarquia e que gostariam que a instituição fosse abolida apreciavam e, sobretudo, respeitavam Elizabeth II. Ela era como um rochedo, sempre firme no meio das tempestades.

Ninguém nunca soube o que ela pensava. A rainha permaneceu a vida toda fiel ao dever de reserva que impôs a si mesma. Dizem uns que ela era a favor do Brexit; outros garantem que nunca ela apoiaria uma ideia tão maluca – ao fim e ao cabo, não saberemos jamais.

De longe a personalidade mais fotografada do mundo, ela deixava qualquer estrela do cinema ou das artes comendo poeira. Elizabeth II visitou praticamente todos os países, mas – curiosidade singular: nunca teve passaporte.

A rainha nunca teve documento de identidade. Sempre carregava uma bolsa cuja utilidade era desconhecida. Não pagava nenhuma compra. Não entrava em nenhuma loja. Nunca foi ao cinema. Nunca fez compra numa padaria ou num açougue. Não deve nunca ter usado dinheiro vivo. Talvez nunca tenha entrado numa cozinha. Dá pra imaginar passar 70 anos num regime rígido assim?

Ela vai fazer muita falta. Não fosse ela, a monarquia britânica já teria desmoronado. Vamos ver se o novo rei aguenta o tranco. Não será fácil, visto que sua popularidade é bem mais baixa que a da mãe, sem contar a esposa, vista por muitos britânicos como uma intrusa.

Não será fácil preencher o vácuo deixado por Elizabeth. Não é o filho nem a nora que têm carisma para isso. Num futuro mais distante, quem sabe.

Por enquanto, la reine est morte, vive le roi! – a rainha morreu, viva o rei!

pandora

PS
Charles não é obrigado a conservar o nome de batismo. Pode adotar um outro nome que lhe agrade, a escolha é dele. Seu avô, pai de Elizabeth, nasceu Albert, mas reinou como George VI. Saberemos rapidamente.

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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos,  dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.

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4 thoughts on “Sua Majestade, o rei. Por José Horta Manzano

  1. Em meio a tanta baixaria do 7 de setembro, assistir pela BBC algumas horas sobre a grandeza de um reino e de uma monarca, foi um bálsamo na tarde de ontem. Quanto contraste! Quanta beleza lá e pobreza aqui! Não sou nenhum monarquista, nem nasci como tal, mas há realmente uma áurea de estabilidade, de união nacional, há um rejuvenescer até mesmo na morte de alguém que soube manter um reino sob o império de uma monarquia constitucional. Até as coisas mais simples, como a liturgia de um cargo que carecemos em um 7 de setembro, manifestou-se em toda a sua grandeza numa velha monarquia que terá tudo para se renovar. Estabilidade é algo tão grandioso, que até o sono reparador torna-se tranquilizador.

    1. Pois eu vejo muitas vantagens num regime monárquico. A estabilidade e a previsibilidade estão entre elas. Um regime parlamentarista, com presidente pouco mais que decorativo como na Itália e na Alemanha, também me agrada.

  2. A Rainha Elizabeth, como você bem disse, era um rochedo.
    Puxo a sardinha para o meu lado e a título de curiosidade informo que o Ascendente dessa mulher excepcional era Capricórnio, cujo planeta regente é Saturno – aquele que estrutura, fundamenta, dá raiz, dá um sentimento de sacrifício e de missão, mas também restringe, fecha em poderosa camisa de força onde estiver no mapa de cada um de nós.
    Deu para entender porque ela era para seu povo um rochedo?
    Sempre admirei essa mulher pela sua consciência em relação ao papel que lhe foi imposto pelas circunstâncias e pelo destino: seus atos sempre foram pautados pelo Dever (nada mais saturnino e capricorniano).
    Elizabeth foi obrigada a engolir sentimentos, raramente demonstrados, mesmo que dentro dela rugissem tempestades, raios e trovões (tinha a Lua em Leão, o Sol em Touro e o Meio do Céu em Escorpião – era fogosa, acredite).
    Mas você foi o primeiro a tocar em uma dúvida que sempre me assaltou: dentro da própria casa a rainha andava com aquela bolsa misteriosa a receber cada visitante ou convidado. Quem teria inventado no protocolo palaciano que ela deveria sempre carregá-la? O que nela haveria? Jamais saberemos – acho que quando muito um lencinho com monograma elegantemente bordado e olhe lá.
    Você é mais otimista do que eu: Elizabeth foi a última Rainha da Inglaterra digna deste nome.
    Rainha com “R”maiúsculo.
    Com todo respeito a Charles e seus descendentes, nenhum deles está à altura desse Himalaia, até porque os tempos são outros e as desculpas para aliviar responsabilidades, deveres e abrandar o restritivo protocolo palaciano logo entrarão em vigor com a desculpa de modernizar a casa real.
    Depois de Elizabeth, o silêncio. E o lamento por sua morte.
    Tenho certeza de que ela foi recebida com tapete vermelho e toda Pompa e Circunstância pelo Reino de Deus.

    1. Parabéns pela análise astrológica do mapa da rainha. Visto assim, a gente entende que ela foi a pessoa certa, no cargo certo, na hora certa.

      Sou razoavelmente optimista pelo futuro da monarquia britânica. Ainda estamos num período de comoção, de luto, de transição. Mas, na vida, tudo passa. É como assunção de novo papa ou de novo presidente. No começo, a gente estranha, depois se acostuma.

      O novo rei (que, de novo, só tem o título oficial, visto que ele já tem idade e o mundo todo o conhece) fez excelente impressão quando de seu primeiro discurso, dois dias atrás. Soube encontrar o bom gestual, o tom adequado, as palavras acertadas. Os súditos apreciaram. E nós outros, os não-súditos, também.

      Tempo de preparação é o que não faltou ao Carlos (no Brasil: Charles). Ele vai dar alguma escorregadela no começo, mas logo aprende. O “staff” real costuma ser atento e eficiente.

      Ao fim e ao cabo, os cidadãos que gostariam de ver a monarquia abolida vão continuar sonhando com a república, seja qual for a cabeça coroada. E os demais – que são a maioria – são apegados à tradição e preferem ter um chefe de Estado decorativo mas inofensivo a cair com um presidente da República tipo Boris Johnson.

      Ou, pior ainda, com um Lula ou um Bolsonaro. Te esconjuro!

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