mandato coletivo

Mandato compartilhado. Por Aylê-Salassié Filgueiras Quintão

Democracia representativa está sendo “comida pelas beiradas”

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“Nosso caminho não será soviético, nem japonês, nem o canadense. Ninguém revive a história alheia”, preconizou Darcy Ribeiro, quando vivo, em discurso no Senado, observando que os oportunistas, os carreiristas, os oligarcas, os corruptos da Política serão “comidos pelas beiradas”.  A história daria essa resposta.

Ora, as eleições de outubro próximo devem tornar mais visível o chamado “mandato coletivo”, o novo modelo de representação popular, introduzido no Brasil, exercido, em conjunto, por co-parlamentares. Até segunda-feira (15) já haviam 217 candidatos inscritos no Tribunal Superior Eleitoral para mandatos compartilhados para vereador, deputado, senador. E se Darcy estivesse por aqui ele, certamente, estaria defendendo candidaturas para prefeito, governador e – quem sabe -até para presidente da República. Em vários estados o modelo está sendo adotado, especialmente em São Paulo – Seria o caso de Lula e Alkmin?!- e Pernambuco. Mas, os candidatos coletivos pernambucanos já estão recebendo votos até de Fernando de Noronha.

 Pelo visto, está entrando em crise, no Brasil, a democracia representativa, em que o parlamentar é eleito por milhares de pessoas  prometendo “mundos e fundos” à população, sem precisar cumprir, nem  prestar contas: deputados, só fazem isso de quatro em quatro anos, em campanhas para a reeleição; e senadores, de oito em oito. Esse modelo tende a implodir ao longo dos próximos pleitos. O eleitorado vai, aos poucos, desiludindo-se do sistema representativo que alimenta interesses particulares e um populismo fantasioso.

 Os primeiros sinais de desilusão com a democracia representativa foram dados nas eleições de 2018:  das 54 vagas para o Senado, 46 foram preenchidas por nomes novos, pessoas que não estavam disputando a reeleição. Uma renovação histórica de 85 por cento No Senado como um todo, a renovação foi de 61 por cento.  Nas próximas eleições de outubro, haverá 27 vagas (1/3) para o Senado. Na medida em que o eleitor vai se conscientizando, esse modelo representativo, que alimenta toda esse sistema conservador e corrupto, tende a ir se desmoronando.

Os eleitos para ocupar cargos públicos poderão começar a vir não mais de uma base eleitoral formada em torno desse tipo de candidato – nomes conhecidos, tradicionais – mas  dos “mandatos compartilhados” comprometidos com movimentos sociais, reunidos em torno de objetivos ou temas bem definidos e pontuais – pobreza, questões indígenas, étnicas, de gênero, de saúde, de educação, econômicas, fiscais etc… Plataformas políticas serão dos partidos, mas o conteúdo da ação parlamentar obedecerá às angústias imediatas da população ou dos movimentos sociais que giram em torno de cada problema. Podem ser disruptivos, inclusive, dentro dos próprios partidos políticos que, se tiverem bom senso, devem começar a se repensar.

 Os candidatos coletivos exercem os cargos eletivos nos Legislativos dividindo o poder com um grupo de cidadãos, chamados de co-parlamentares. O mandato coletivo tem um caráter ativo, solidário e mobilizador. Aquele que vier a ser escolhido para assumir a vaga – cujo CPF for registrado no TSE  –  consulta todo o tempo os co-parlamentares  – integrantes do mandado – antes de definir seu posicionamento frente a matérias legislativas, contrariamente ao mandato tradicional em que o vereador, o deputado ou o senador  tem a liberdade de votar de acordo com seus interesses e consciência.  No mandato coletivo o posicionamento do voto não é mais de um único sujeito, mas das pessoas que integram aquele mandato. O voto será definido coletivamente, em qualquer circunstância, buscando sempre o consenso dentro do grupo co-parlamentar.

Os “salvadores da Pátria”, com suas plataformas políticas retoricamente genéricas e vazias, tendem a ser enterrados pelos mandados coletivos. Como o TSE só reconhece um candidato por vaga, em um mandado compartilhado, um parlamentar ocupa legalmente um assento legislativo, mas sacrificando a própria autonomia política a favor dos co-parlamentares, que são cidadãos, também votados. Participam de um mandato coletivo e determinam a posição do parlamentar na votação plenária e/ou ao exercer outras atividades legislativas. O arranjo co-parlamentar é regido entre si por uma espécie de   “estatuto do mandato compartilhado”, que funciona como uma carta de intenção capaz de delimitar aqueles que podem participar, o número mínimo e máximo de membros, os procedimentos adotados pelo grupo, as obrigações e deveres de cada um e até a distribuição das verbas do mandato para o gabinete, inclusive o salário do deputado, etc.

 Problema ainda não resolvido adequadamente é a relação com os compromissos do partido, dono do mandato que, segundo a legislação em vigor, são os únicos caminhos constitucionais para poder concorrer às eleições e dar legitimidade ao mandado. A campanha pelo modelo de mandatos coletivos vem sendo capitaneado por alguns partidos de esquerda. A direita ainda não se aventurou por aí. Provavelmente, insistindo na democracia representativa, recusa-se a adotá-lo.

 Embora o modelo já seja adotado na Suécia, na Austrália e em mais 18 países, no Brasil começou com um grupo de vereadores de Alto Paraíso, no interior de Goiás, onde foram reunidas, em 1998, cinco pessoas no primeiro mandato coletivo no Brasil. E que deu certo. Juntaram-se, uma mulher, um índio, um indigenista, um antropólogo e um advogado. Foram eleitos, estão em pleno exercício das atividades parlamentares na Câmara. Tem gerado problemas e soluções para a governabilidade municipal, denunciando, contestando e fazendo proposições para uma série de medidas.

 Em Brasília, até segunda-feira (15.08), quando encerra o prazo para registro das inscrições para disputar as eleições de outubro, haviam sido inscritas seis candidaturas coletivas para deputado distrital, pelo PT, PCdoB e PSOL; e três para deputado federal, pelo PSOL e Rede. Essas candidaturas reúnem mulheres que já tem tradição de luta no feminismo, contrárias ao racismo e o LGBTfóbico. A dinâmica é construir a pauta do mando colaborativamente. O TSE se orienta pelo artigo 35, da Resolução 23.609, que trata especificamente das candidaturas coletivas, e que foi atualizado em dezembro do ano passado. O Supremo Tribunal Federal não tem nada contra o modelo.

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Aylê-Salassié F. Quintão – Jornalista, professor, doutor em História Cultural. Vive em Brasília. Autor de “Pinguela: a maldição do Vice”. Brasília: Otimismo, 2018

 E autor de Lanternas Flutuantes:

Português –   LANTERNA FLUTUANTES, habitando poeticamente o mundo
Alemão – Schwimmende-laternen-1508  (Ominia Scriptum, Alemanha)
Inglês – Floating Lanterns  
Polonês – Pływające latarnie  – poetycko zamieszkiwać świat  
Tailandês – Loi Kathong (ลอยกระทง) 

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