De carona. Por José Horta Manzano
… não tendo nada de interessante a apresentar, tomam carona no bonde do capitão, na esperança de recolher o voto de um punhado de seus devotos mais medrosos…
Artigo d’O Globo informa que dezenas de candidatos às eleições deste ano para os cargos de deputado estadual ou federal têm bancado anúncios no feicebúqui e no instagrã. Espero que vosmicê saiba como funciona esse sistema de anunciar em rede social. Quanto a mim, não faço a menor ideia. Sou do tempo em que anúncio se punha no jornal. Não frequento “redes”.
Bom, imagino que, como todo anúncio que se preze, essas inserções tenham um custo. É difícil acreditar que os candidatos enfiem a mão no próprio bolso, portanto devem estar se servindo no fundo partidário – aqueles bilhões desviados de nossos impostos e entregues ao apetite da coleção de partidos que compõem o tabuleiro das incongruências desta exótica República.
Resultado do jogo: os anúncios, na verdade, estão sendo financiados por todos nós.
A maioria dos anunciantes da base bolsonarista se dedica a um sistemático exercício de desinformação, seguindo à risca a cartilha do conspiracionismo. As investidas mais recorrentes, como se pode imaginar, vão contra o sistema de voto eletrônico e contra os ministros do STF – os judas favoritos da turma.
O teor dos anúncios intriga. De candidatos normais, se esperaria que se apresentassem ao grande público, que louvassem as próprias qualidades, que dissessem a que vêm. Em vez disso, temos um bando de zumbis, que entram na sala de visitas dos outros para denunciar o sistema que há de elegê-los – ou até, em numerosos casos, que já os elegeu. Por que fazem isso?
A primeira explicação, que me parece evidente, é não terem nada de substancial a contar sobre a própria personalidade, suas convicções e seu plano de trabalho.
A segunda razão, que decorre da anterior, é que, não tendo nada de interessante a apresentar, tomam carona no bonde do capitão, na esperança de recolher o voto de um punhado de seus devotos mais medrosos.
Em seguida, vem a dúvida. O que pretende essa gente? Será que não se dão conta de que, com esse comportamento, estão jogando um grão de areia na engrenagem bem azeitada da votação eletrônica, consagrada há um quarto de século? Será que não percebem que, ao contribuir para eventual tentativa de golpe, correm o sério risco de serem tragados por ele?
Se – que Deus nos livre e guarde – golpe houvesse e fosse bem sucedido, a primeira providência seria fechar a Câmara Federal e as Assembleias estaduais. Por duração indeterminada, Suas Excelências seriam mandadas de férias sem vencimentos. Talvez fosse organizada nova eleição, talvez não. Em regime autocrático, tudo depende dos caprichos do autocrata, de suas fobias e de sua paranoia.
Com ou sem golpe, esse punhado de candidatos-zumbis já nos dá um antegosto do nível intelectual e moral da nova leva de parlamentares, todos afiados e prontos para se aboletar no bem-bom.
_____________________
JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos, dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.
______________________________________________________________