Ar. No ar. Sem ar. Por Marli Gonçalves
O ar puro não tem cor, nem cheiro, nem sabor. Assim deveria ser, mas ultimamente respiramos coisas bem diferentes. Uma cor cinza, cheiro acre, sabor de dúvidas. Pairam no ar, no momento, incertezas, movimentos bem estranhos que nos inquietam e fazem duvidar até do que no que sempre acreditamos e defendemos
Há momentos nos quais parece que todos os bueiros e buracos, cavernas e fendas foram abertos, e libertando mais do que gases. Surgem os fantasmas do passado. Todo dia sabemos, escutamos e presenciamos mais e mais cenas, no mínimo, lamentáveis. Odiosas. Perigosas. Cínicas, quando vêm embaladas falsamente em liberdade. Pensamentos de ignorância e preconceito, mentiras deslavadas ditas com ar de verdade, repisadas, distribuídas – pior, apoiadas, aceitas e espalhadas por um minoritário percentual de brasileiros que julga que isso é amar o país.
Ataques violentos, racistas, homofóbicos, contra a imprensa, declarações contra tudo e todos, contra as mulheres, a plantação de incertezas num crescente que há muito não se tinha notícia e que nesses três anos e meio viraram comuns, claramente ligados à direção imposta pelo desgoverno – aliás, notícias sobre isso também estão sempre no ar.
Muitas vezes ao vivo; outras, em gravações registradas sejam horizontais ou verticais em aparelhos celulares que as comprovam. Nós vemos acontecer. Sim, aconteceu mesmo. Mas estranhamente quase nunca sabemos no que deu cada denúncia ou registro daqueles, tantos são dia após dia que se perde o controle, qual foi o encaminhamento, se houve investigação ou punição.
Sem resultados, muitos impunes, eles se repetem, a nós só resta reparar bem nos detalhes quando os conhecemos. Há sempre uma mesma e estranha ligação, inclusive visual na descrição física dos tipos de pessoas que tanto nos indignam. O peito estufado dos machões bombados e fortinhos à la Daniel Silveira, o deputado amestrado infeliz que tenta – e pior, vem conseguindo – balançar a República, nos deixando indecisos inclusive até com os assuntos imunidade parlamentar e liberdade de expressão, que nos são tão caros, mas desprezados por essa turma do poder que cria situações para justamente deixar muitas insidiosas dúvidas no ar.
Outros elementos encontrados sempre levam a descobrir informações e posts sobre essas pessoas onde invariavelmente aparecem com camisetas verde e amarelo, bandeirinhas, o apoio radical ao pior do bolsonarismo, além de mostrar que, melhor não descrever muito, que nem precisa, seria até deselegante: pessoas horríveis, muito horríveis. Horrorosas, em resumo.
Ar que se torna cada dia mais irrespirável quanto mais se aproxima a eleição presidencial. Há um conluio quase combinado dos que só querem armar, odiar, desrespeitar, provocar, violar, incendiar, tumultuar, brigar, atrapalhar, humilhar, tripudiar, outras tantas tentativas de nos fazer perder o ar, a força e o equilíbrio, inclusive para defender o que acreditamos, e nos fará disputar centímetro por centímetro.
É um ar comprimido, encanado, poluído. Quase se tornando irrespirável. Mas haveremos de superar.
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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br
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