Palavras têm peso. Por José Horta Manzano
Apesar do descontrole que reina nas redes sociais, terreno em que cada um se sente autorizado a dizer qualquer besteira a qualquer momento, palavras têm peso.
Apesar do descontrole que reina na mente de Bolsonaro, e que o faz sentir-se livre de dizer tudo o que lhe passa pela cabeça a todo momento, palavras ainda têm peso.
Apesar do descontrole que reina no miolo de muitos políticos, e que lhes permite atacar, insultar e tentar “cancelar” qualquer um a todo momento, palavras continuam tendo peso.
Bolsonaro, que vem sendo eficientemente blindado por correligionários por ele mesmo instalados em postos-chave da República, tem escapado a toda sanção. E vai continuar escapando até o dia em que cair do coqueiro. Como se sabe, tudo o que sobe acaba caindo um dia; e, quanto maior o coqueiro, maior o tombo.
Estes dias, um deputado federal do campo bolsonarista me fez lembrar o Zé Grandão Bobo, personagem de HQ da minha infância. Era um urso, sempre desenhado armado de porrete. Era grandalhão e espalhafatoso mas inofensivo.
O deputado foi condenado a portar tornozeleira eletrônica. Num ato de grande coragem, convocou a mídia e passou 24 horas refugiado na Câmara para escapar ao vexame. Pois o rapaz tem as características do antigo personagem: é grandalhão, é bobo e não passa de um zé qualquer.
Se está nessa sinuca é porque não se deu conta de que as palavras têm peso. Insultou, em mais de uma ocasião, magistrados do STF, uma temeridade para quem goza de foro especial e sabe que, se for julgado um dia, seus juízes serão… os magistrados do STF.
Parece coisa de débil mental. Como resultado evidente, o deputado não contou com a indulgência dos juízes. Vai ter de usar a algema eletrônica, queira ou não queira. Mostrou fazer jus a minha observação: é zé, é grandão e é bobo.
O mundo inteiro descobriu ontem cenas de horror provenientes da Ucrânia. Em peso, a mídia mostrou as atrocidades cometidas pelo exército russo na pequena cidade de Butcha, abandonada pelos invasores coalhada de cadáveres de civis executados a sangue-frio.
Chocados com o que viram, alguns dirigentes não pesaram as próprias palavras e falaram em genocídio. Zelenski, o presidente da Ucrânia, foi o primeiro a usar esse qualificativo para o que se passou naquela cidadezinha da periferia de Kiev. Sendo ele o presidente do país agredido, dá pra relevar o deslize.
Fica mais difícil dar o mesmo desconto aos primeiros-ministros Pedro Sánchez (Espanha) e Mateusz Morawiecki (Polônia), que utilizaram o mesmo termo de genocídio. Estão enganados.
Genocídio é palavra relativamente recente, criada nos anos 40 e oficializada por convenção da ONU de 1948. A definição é oficial e rigorosa: é a exterminação sistemática de um grupo humano por motivos de raça, língua, nacionalidade ou religião. Corresponde, portanto, a limpeza étnica – um ato extremado levado a cabo por motivos étnico-religiosos ou por loucura.
Aconteceu na Bósnia-Herzegovina nos anos 90, quando batalhões sérvios cuidaram de eliminar sistematicamente populações inteiras de muçulmanos.
Fica fora de esquadro falar em genocídio de russos contra ucranianos. Os dois povos compartilham a história e a religião; falam línguas muito próximas; têm entrelaçamento familiar: grande parte dos ucranianos têm parentes russos e vice-versa. Difícil mesmo é encontrar russos ou ucranianos “de raça pura”.
Pode até ser que, lá no fundo da cabeça de Putin, esteja a ideia de “cancelar” o povo ucraniano, talvez até de partir para a eliminação física. No entanto, enquanto isso não for comprovado, não convém usar o termo genocídio. Que se diga crime de guerra, expressão que não será contestada por ninguém.
Baseada no que aconteceu em Butcha, a acusação de genocídio tem pouca chance de ser recebida pelo Tribunal Penal Internacional.
Atrocidade, brutalidade, crueldade, barbaridade, massacre, selvajaria, bestialidade, desumanidade são termos de bom tamanho. Exprimem julgamento de valor e não entram em colisão com nenhuma definição oficial.
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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos, dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.
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Caro Manzano,
Aqui no país onde tudo muda ao sabor dos ventos e das conveniências, já ouvi dos “palpiteiros” de plantão – incrível que a cada assunto surjam especialistas em tudo – as mais absurdas opiniões sobre o conflito na Ucrânia.
Como sou assíduo acompanhante do Jornal da Cultura – onde esperava um pouco de isenção ou mesmo honestidade dos “palpiteiros” – algumas opiniões foram as mais imbecis que escutei:
1. Marco Antonio Villa – …”é isso que dá colocar um comediante no governo”, quando a Rússia invadiu a Ucrânia… como diria minha mãe, diante dos fatos o que é que tem o traseiro com a calça (o termo é mais duro, mas é possível entender).
2. Pondé – a culpa é da OTAN que queria sufocar a Rússia…. Lembrando que em tempos idos ele ia com uma camiseta da URSS para dar seus pitacos… mas onde está a culpa da Ucrania?
3. Dimas não sei o que – presidente do TCESP – “não haverá invasão, exagero dos USA”…
Se enumerar todas, tomaria muito espaço…
Depois as opiniões foram mudando, mas sempre sem consistência de quem se propõem a opinar com seriedade.
Em outros canais, os mais variados comentários, a favor ou contra o conflito.
Mas, importante é que o “comediante” tem se mostrado um homem digno e, colocando seu discurso – o que mais poderia fazer? – Onde pode, sem se afastar de seu povo.
Hoje ele colocou o dedo na ferida: para que serve a ONU, se nada faz de prático para solucionar o que ocorre no mundo? Melhor, então que cada um se defenda como puder e, voltáramos aos tempos antigos onde prevalecia a força, o poder de cada um… ( talvez o Zé Grandão seja o mais forte…)
Comodo seria fazer como De Gaulle, que protegido no Reino Unido fazia discursos pedindo o sangue dos franceses… e depois voltou como herói…
Ideal seria fazer como no diálogo de dois soldados no belo livro “Nada de novo no front” de Erich Maria Remarque: “ os dirigentes dos países em briga deveriam ir para um ringue e, nele tirarem suas diferenças, assistidos por seus povos…!
Nada mais sensato!
Desculpe tomar seu tempo, mas foi uma forma de expressar horror pelos atuais acontecimentos, dentro e fora de meu país.
Inté!
Olá Xará!
Não sei se é consequência do alastramento das redes sociais ou se é característica do povo brasileiro, mas o fato é que, hoje em dia, todos se sentem obrigados a ter opinião sobre tudo. Principalmente sobre coisas que só conhecem de ouvir falar. Ao fim e ao cabo, as afirmações, de tão numerosas e peremptórias, acabam sendo postas em dúvida. Chega-se a um paradoxo: tudo se diz mas, ao mesmo tempo, de tudo se duvida. A vida fica complicada.
Ao falar em “comediante no governo”, Villa se igualou a Bolsonaro. Escrevi um artigo sobre isso. Foi repicado pelo Chumbo Grosso e publicado um mês atrás sob o título “O humorista e o imbecil”.
Quando Pondé declara que a Otan queria sufocar a Rússia, está arrombando uma porta escancarada. Pois a Otan foi criada exatamente para conter a União Soviética – é sua função principal! Não foi formada pra fazer bonito e enfeitar o mapa do pós-guerra.
Só que tem uma coisa: a Otan não foi bater à porta de ninguém para convidar; se os antigos países-satélites da URSS foram admitidos na organização, foi porque pediram. Assim que o Muro de Berlim caiu e a União Soviética desmoronou, a primeira providência de Lituânia, Letônia, Tchecoslováquia, Hungria & alia foi pedir urgentemente serem aceitas na Otan. Fizeram isso antes mesmo de pleitear integrar a União Europeia. Conheciam muito bem a Rússia e desconfiavam dela. Com razão.
Quanto a esse senhor que imaginava que não fosse haver invasão, bem, ele não foi o único. Tirando os EUA, que devem contar informações privilegiadas e não accessíveis ao grande público, ninguém acreditava numa barbaridade dessas. Foi preciso ligar o rádio (ou o telefone) na manhã de 24 de fevereiro para descobrir, com espanto, a realidade.
A ONU é uma imensa organização. Além da parte mais visível, o Conselho de Segurança, há dezenas de agências como a Organização Internacional do Trabalho, o Fundo para a Alimentação e a Agricultura, a Unesco (educação, ciência e cultura), a OMS (saúde), o Banco Mundial, o FMI, a UIT (telecomunicações), a AIEA (energia atômica), a Corte Penal Internacional, a Autoridade dos Fundos Marinhos, a Organização Internacional para as Migrações. E muitas outras. Não se deve jogar o bebê com a água do banho.
Até o Lula, que não é um luminar, entendeu isso. O que ele pleiteava não era a extinção da ONU, mas simplesmente uma reforma do Conselho de Segurança, para permitir a entrada do Brasil como membro permanente. A gestão bolsonarista se encarregou de adiar essa possibilidade para o dia de São Nunca.
Outra hora falamos mais.
Forte abraço.