Centenário de uma festa luso-brasileira. Por Laurete Godoy

30 DE MARÇO DE 1922

“São Pedro, o guarda do céu / Ao ver Sacadura e o Gago / Gritou-lhes, correndo o véu / – Aqui não há lugar vago // Os heróis agradeceram / Num gesto meigo e gentil / E satisfeitos tocaram / O avião rumo ao Brasil!”

      (Tópico final do poema em homenagem aos lusitanos Gago Coutinho e Sacadura Cabral recitado em uma reunião cultural promovida em Porto Seguro, Bahia.)
Centenário de uma festa luso-brasileira. Por Laurete Godoy

Em 1922, ano em que os brasileiros comemoravam o Centenário da Independência, certos acontecimentos tornaram-se marcantes na história da aviação internacional. Um deles foi protagonizado por dois oficiais da marinha portuguesa: o capitão de mar e guerra Carlos Viegas Gago Coutinho e o capitão-tenente Artur de Sacadura Freire Cabral Júnior, que realizaram a façanha de, pelo ar, unir a Europa à América.

Sacadura idealizou, organizou, preparou a viagem cuidadosamente e, excelente piloto que era, ficaria encarregado da parte aeronáutica.

Coutinho, astrônomo conceituado, cuidaria do aspecto científico.

Saindo de Lisboa, o itinerário foi estabelecido com as seguintes escalas: Canárias-Cabo Verde-Penedos São Pedro e São Paulo-Fernando de Noronha-Recife-Salvador-Porto Seguro-Vitória-Rio de Janeiro. Nos Penedos São Pedro e São Paulo, o navio República reabasteceria o hidroavião. Ficou decidido que a conversa entre ambos seria por meio da escrita, pois o ruído do avião tornaria impossível um entendimento verbal. Além do caderno de recados seria levado um exemplar de Os Lusíadas, edição de 1670, que teria o privilégio de atravessar o Atlântico pelos ares.

Sacadura Cabral idealizou um hidroavião monomotor Fairey III, com grande envergadura, equipado com motor Rolls-Royce Eagle de 360 HP. A aeronave foi custeada pelo governo português e construída por uma fábrica inglesa.

É fácil imaginar o entusiasmo que tomou conta de Portugal há exatos cem anos. No dia 30 de março de 1922 a dupla alçou voo da doca da Marinha, nas águas do Rio Tejo, junto à Torre de Belém. A partir de então, enquanto Sacadura pilotava o Lusitânia como navegador, Gago Coutinho dirigia o rumo, atento ao sextante da marinha adaptado à navegação aérea, com horizonte artificial, que ele mesmo inventara.

Cada etapa vencida era comemorada. Concluído o terceiro trecho, com a ameragem junto aos Penedos São Pedro e São Paulo, o jornal carioca A Pátria, órgão não oficial da colônia portuguesa informou: “Os aviadores já estão no Brasil! Desceram nos rochedos!”. Festejos espalharam-se por Brasil e Portugal.

GAGO COUTINHO / SACADURA CABRAL - MUSEU DA RAMPA - Centenário de uma festa luso-brasileira. Por Laurete Godoy
Carlos Viegas Gago Coutinho e o capitão-tenente Artur de Sacadura Freire Cabral Júnior

Porém, durante o pouso em mar aberto, os flutuadores ficaram avariados e o Lusitânia não teve condições de prosseguir voando.

O navio República recolheu os aeronautas e transportou-os para Fernando de Noronha. Ali, eles aguardaram a chegada do hidroavião “Pátria Portuguesa”, que o governo português enviou pelo navio Bagé.  O segundo avião também teve problemas, naufragou e ocorreu nova espera.

Porém, a partir da chegada de outro Fairey III, apenas sucesso e alegria! Em Recife, ocorreram três dias de festa. De Pernambuco seguiram para a Bahia. Em Porto Seguro, sobrevoaram lugares marcantes da história do Brasil e receberam expressivas homenagens. Essas manifestações eram esperadas, porque Sacadura Cabral descendia de Pedro Álvares Cabral, o ilustre descobridor das terras brasileiras. Cada fato era cantado em prosa e verso, destacando as situações vividas ao longo da travessia.

No dia 17 de junho de 1922, ocorreu a maior consagração. Na Ilha das Enxadas, junto aos hangares da Aviação Naval Brasileira, Gago Coutinho e Sacadura Cabral concluíram a primeira travessia do Atlântico Sul com escalas. Quando chegaram à capital federal, escoltados por esquadrilhas nacionais, os navios apitavam, sinos de igrejas repicavam e bandas de música tocavam alegremente. Os cariocas saíram às ruas para aplaudir os oficiais lusitanos e, entre as autoridades que os recepcionaram, estava Epitácio Pessoa, presidente do Brasil.

No regresso a Portugal, os heróis de duas pátrias percorreram as ruas de Lisboa em uma carruagem puxada por oito cavalos negros. Receberam promoção, condecorações e diversas homenagens. Um telegrama enviado por Santos-Dumont, congratulando-se com os pilotos, recebeu a seguinte resposta: “Tudo que fizemos será pouco, diante do vosso gênio que deu asas ao homem, para invadir o domínio dos Deuses”.

Achei oportuno relembrar em 2022, a viagem dos valentes oficiais Carlos Viegas Gago Coutinho e Artur de Sacadura Freire Cabral Júnior, que estreitaram  laços históricos, afetivos e proporcionaram imensa alegria e entusiasmo a portugueses e brasileiros.

Uma viagem que teve início no dia 30 de março de 1922. Há, exatamente, 100 anos!

Um voo de 67 dias entre Lisboa e Recife : Revista Pesquisa Fapesp - Centenário de uma festa luso-brasileira. Por Laurete Godoy
Um voo de 67 dias entre Lisboa e Recife : FONTE: Revista Pesquisa Fapesp

_________________________________________________

Laurete Godoy e o Aniversário de Santos=Dumont - Revista Paulista  Laurete Godoy  – pesquisadora e escritora. Autora do livro Brasileiros voadores – 300 anos pelos céus do mundo.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Assine a nossa newsletter