E se o Brasil entrasse em guerra? Por Dagoberto Alves de Almeida
Não seria possível uma guerra entre o Brasil e a Venezuela. Pelo menos não enquanto o Brasil for uma democracia. Mas caso uma ditadura de direita fosse, infelizmente, instalada no Brasil seria possível um conflito bélico com o regime totalitário de esquerda do país vizinho.
Da mesma forma, a ocupação da Amazônia por potências estrangeiras, face à atual degradação ambiental, não seria possível desde que o Brasil continue sendo uma democracia. Caso contrário, haveria respaldo na maioria das nações para resgatar um patrimônio que é da humanidade e não apenas de um único país, pois essa seria a alegação apresentada para justificar uma guerra na Amazônia, com alta possibilidade de aceitação nos tribunais internacionais.
Aliás, houve amplo apoio à Guerra do Golfo três décadas atrás justificado por supostos interesses humanísticos na deposição do ditador Saddam Hussein. A história registra o que os mais perspicazes já sabiam quanto aos interesses petrolíferos prejudicados pela invasão do Kuwait pelo Iraque.
Pelo desconhecimento da história e inconsequência não se avalia atualmente que a Amazônia representa riqueza infinitamente superior à do petróleo, tanto pela biodiversidade quanto por sua importância climática.
Muitas guerras são iniciadas por conta de causus belli, expressão latina para designar um fato considerado suficientemente grave pelo estado ofendido a ponto de justificar declaração de guerra contra o estado ofensor. Justificativa, frequentemente, indiferente ao escrutínio do direito internacional e dos fundamentos da diplomacia.
A democracia como a conhecemos é um conceito moderno que só passou a existir após a Revolução Francesa. A democracia é uma conquista civilizatória por variadas razões. Ao longo da história conflitos bélicos têm eclodido entre nações que foram, eminentemente, totalitárias. Regimes totalitários, sejam comunistas ou fascistas, de direita ou de esquerda, são sempre ditaduras, não importando o rótulo. Após o final do século XIX guerras irromperam sempre com a participação de países com regimes totalitários, entre eles próprios e deles contra democracias. Todavia, por mais de um século não tem ocorrido guerras entre países, eminentemente, democráticos, ou seja, entre países com reconhecimento internacional por conta da consolidação de suas democracias. Em suma, nações democráticas não guerreiam entre si!
Na democracia – o menos imperfeito dos regimes políticos – há uma dificuldade monumental para se justificar uma guerra contra outra democracia em vista dos filtros institucionais que impedem a vontade de um único individuo tomar decisões intempestivas que possam prejudicar milhões de pessoas e que possam lesar interesses econômicos e políticos variados. Não se pode, jamais, esquecer de tragedias como a da segunda guerra mundial provocadas por um ditador que se apropriou dos fundamentos da democracia para então destruí-la na criação de um estado fascista, responsável pela morte de milhões de seres humanos.
Assim como, nas democracias a decisão quanto a decretar uma guerra a outro país não parte de um único individuo ou um pequeno grupo, mas envolve discussões demoradas em variados fóruns, o que exige compartilhamento de decisões com as ponderações próprias da representação popular trazida pelo voto. Qualquer decisão para algo tão radical como uma guerra encontraria grande resistência interna e externa por parte das populações nos regimes democráticos dos países que, eventualmente, se encontrassem em litígio. Caso a Rússia usufruísse de plena democracia a invasão da Ucrânia não teria sido possível, pois que os instrumentos democráticos acabariam por criar uma solução negociada que respeitasse os interesses de ambas as nações.
Portanto, não há possibilidade mais consistente para o atingimento dos objetivos humanísticos, como paz e justiça que não seja pela democracia.
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– Professor Dagoberto Alves de Almeida – ex-reitor da Universidade Federal de Itajubá -UNIFEI – mandatos 2013/16 – 2017-20
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