Os europeus fazem falta. Blog do Mário Marinho
Era uma tarde de quarta-feira aquele 9 de maio de 1956.
Eu estudava no colégio Santo Antônio (rua Pernambuco 880, a cerca de três ou quatro quarteirões da chique padaria Savassi, que viria dar nome ao elegante bairro de hoje) e estava grudado no portão que dava para a rua Santa Rita Durão.
Do lado de fora, um sorveteiro com seu carrinho de sorvete artesanal, de fala enrolada (era holandês), ouvia o jogo Inglaterra x Brasil, num aparelho de rádio portátil da marca Spika.
Eu tinha 12 anos de idade. Gostava muito de futebol (era o goleiro nos times de meninos do bairro onde morava, em BH, o Parque Riachuelo). Naquele jogo na distante Inglaterra, tornei-me ainda mais fã do goleiro Gylmar que só vim a conhecer pessoalmente 12 anos depois, quando fiz cobertura diária do Santos para o Jornal da Tarde. Gylmar estava na reta final de sua carreira, mas construímos um excelente relacionamento.
O Brasil enfrentava a Inglaterra no santuário de Wembley, em Londres.
Gylmar defendeu dois pênaltis, foi eleito o melhor jogador em campo e o Brasil perdeu por 4 a 2.
Anos depois contei essa passagem para Gylmar que achou muito divertida. A foto do alto desse blog é uma homenagem ao grande Gylmar que encontrei muitas vezes depois que ele pendurou as chuteiras.
Veja a escalação do Brasil:
Gylmar (Corinthians-SP); Djalma Santos (Portuguesa-SP), Pavão (Flamengo-RJ), Zózimo (Bangu-RJ) e Nilton Santos (Botafogo-RJ); Dequinha (Flamengo-RJ) e Didi (Botafogo-RJ); Paulinho (Flamengo-RJ), Álvaro (Santos-SP), Gino (São Paulo-SP) e Canhoteiro (São Paulo-SP).
O técnico era Flávio Costa.
Você notou que Pelé não estava no time?
Naquela data, Pelé tinha apenas 16 anos de idade e só iria fazer seu primeiro jogo no time titular do Santos em 7 de setembro de 1956.
Na Seleção Brasileira, no dia 7 de julho de 1957, jogando os 25 minutos finais da derrota para a Argentina, 2 a 1, jogo pela Copa Rocca.
Gylmar (na época escrevia-se Gilmar) não sabia – e muito menos eu – que ali estava nascendo o time que seria campeão na Suécia, em 1958.
O jogo contra a Inglaterra fez parte de uma excursão pela Europa que começou com a vitória sobre Portugal, 1 a 0, no dia 11 de abril; gol de Gino.
No dia 11, 1 a 1 com a Suíça, gol de Gino (De Sordi marcou contra para os suíços).
Em 15 de abril, vitória sobre a Áustria, 3 a 2, gols brasileiros de Gino, Zózimo e Didi.
Na sequência, no dia 21, empatamos com a Checoslováquia, 0 a 0.
No dia 25 de abril, derrota para a Itália, 3 a 0.
Vencemos a Turquia, 1 a 0, no dia 1º de Maio, gol de Djalma Santos cobrando pênalti.
E o encerramento da excursão foi a derrota, 4 a 2, para a Inglaterra. Paulinho e Didi marcaram os gols brasileiros.
Por que essa lembrança?
É que vejo aqui no Estadão de hoje, 22, excelente matéria do repórter Moacir Dolzan, mostrando a preocupação de Tite com a falta de adversários europeus e a consequência disso na preparação do Brasil para a Copa do Mundo.
Dolzan mostra que para a Copa de 1954 o Brasil não enfrentou nenhum time europeu. E perdeu a Copa.
Como preparação para a Copa de 1958, a Suécia, primeiro título mundial do Brasil, foram 14 jogos.
Para o Mundial do Chile, 1962, foram apenas 6 jogos (Brasil bicampeão).
Em 1966, a desorganizada Seleção Brasileira enfrentou 25 adversários europeus, maior número da série. Poderiam ter sido 250 jogos que aquela desorganizada Seleção não seria campeão. Para se ter ideia, na preparação para a Copa foram convocados 44 jogadores que se concentraram e viveram a angustiante espera dos cortes que foram feitos a conta-gotas.
Em 1970, 11 jogos. Mas foi a primeira Seleção, em toda a história, que teve um preparo físico com rigores científicos. Além da magnífica geração que tinha Carlos Alberto Torres, Everaldo, Piazza, Clodoaldo, Gérson, Rivellino, Jairzinho, Tostão e Pelé. Brasil tricampeão.
Em 1974, 20 jogos; em 1978, 14.
Em 1982, 16 jogos. Essa foi a Seleção de Telê Santana que encantou o mundo e até hoje é apontada, ao lado do time de 1970, como a melhor de todos os tempos. Nos jogos de preparação para a Copa, em 1981, o Brasil venceu a Inglaterra, 1 a 0; a França, 3 a 1; e a Alemanha, 2 a 1 (nesse jogo, Valdir Peres defendeu dois pênaltis).
Em 1986, 10 jogos; em 1990, 20 jogos; em 1994, 15 jogos; em 1998, 22 jogos; em 2002, 14 jogos; em 2006, 10 jogos; em 2010, 14 jogos; em 2014, 19 jogos; em 2018, 8 jogos.
Para a Copa do fim deste ano, a Seleção fez apenas um único amistoso contra uma Seleção europeia, a República Checa, em março de 2019. O Brasil venceu por 3 a 1, de virada – Roberto Firmino e Gabriel Jesus, duas vezes, marcaram os gols da equipe do técnico Tite.
Terminados os jogos das Eliminatórias, o Brasil tem reservadas cinco datas até o começo da Copa do Catar.
Dificilmente vai conseguir cumprir esse calendário.
A que se sabe um desses jogos será contra a Argentina para cumprir aquele jogo que foi anulado aqui no Brasil.
Há também o compromisso com empresário de fazer um jogo contra uma Seleção da Ásia.
Sobram três datas para serem preenchidas preferencialmente contra times europeus. Mas não será fácil encontrar adversários à altura.
Portanto, temos que nos contentar com adversários fracos.
E, cá pra nós, com adversários fracos da América do Sul, pelas Eliminatórias, nossa Seleção não chegou a empolgar em momento algum.
Então, cabe a pergunta: qual a nossa chance nessa Copa do Catar?
Sendo muito otimista, quem sabe consigamos chegar até às quartas de final?
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Mário Marinho – É jornalista. É mineiro. Especializado em jornalismo esportivo, foi durante muitos anos Editor de Esportes do Jornal da Tarde. Entre outros locais, Marinho trabalhou também no Estadão, em revistas da Editora Abril, nas rádios e TVs Gazeta e Record, na TV Bandeirantes, na TV Cultura, além de participação em inúmeros livros e revistas do setor esportivo.
(DUAS VEZES POR SEMANA E SEMPRE QUE TIVER MAIS NOVIDADE OU COISA BOA DE COMENTAR) ____________________________________________________________________