O descarado enfraquecimento da ciência. Por Dagoberto Alves de Almeida
O PROJETO DESCARADO DE ENFRAQUECIMENTO DA CIÊNCIA BRASILEIRA
No buraco que governos sucessivos têm cavado chegamos a uma profundidade tal que fica cada vez mais difícil para o Brasil sair dessa imensa cratera. Nesse cenário estéril o desgoverno campeia impávido, acentuando o processo corrosivo de desmantelamento da ciência brasileira conforme apresenta o último capítulo dessa triste novela.
Nos últimos dias o Ministério da Economia encaminhou projeto de lei ao congresso que – docilmente – concordou com o corte de 600 milhões de reais do já combalido orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologias e Inovação (MCTI). O CNPq já não é capaz, sequer, de honrar o edital de Chamada Universal para 30 mil pesquisadores. A nova geração de cientistas brasileiros está morrendo no nascedouro. O futuro é comprar tecnologia “lá fora” porque “aqui dentro” o ciclo virtuoso de educação de qualidade que gera conhecimento científico e que produz riqueza pela tecnologia está em acelerado processo de destruição.
Afinal de contas – devem refletir nossos luminares – pra que essa “dinheirama” toda num país que ocupa a patética 66ª posição no PISA? Provavelmente cogitam que um país assim tão ignorante não é capaz de produzir conhecimento algum e, portanto, retirar recursos do MCTI seria um ato de sensatez. Então, o ministro do MCTI se apresenta no Twitter para surpreso, reclamar da iniciativa do colega do Ministério da Economia para ser, logo em seguida, acusado de não “jogar junto”.
Jogar junto do que? Da ignorância? Da condição subalterna de toda uma nação que vê seu futuro comprometido?
Imagino que o mandatário máximo da República possa, momentaneamente, ter se desviado dos graves problemas nacionais, em especial o processo eleitoral, para se divertir com um assunto assim tão “meia boca”. Uma bagunça, um incômodo talvez, cogita antes de voltar sua atenção para questões mais nobres. Assim é curioso concluir que nossa política de ciência, tecnologia e inovação se resumiu a uma mera reclamação, necessária sem dúvida, mas infelizmente sem consequências maiores. Constrangedora mesmo por ter chegado ao ponto de ter sido, sequer, feita.
Lamentavelmente, nesse bizarro e destrutivo episódio fica mais uma vez constatado de que aqueles responsáveis por implementar as políticas públicas continuam insistindo em não entender e parecem, mesmo, não se importar com o fato insofismável de que apenas o conhecimento é capaz de garantir desenvolvimento sustentável.
Que não haja ilusões, há lógica no caos que tem se instalado. Não é, meramente, um exercício de “burradas” sem fim – que me perdoe o pobre equino – mas um processo deliberado de estupidificação da nação via destruição das instituições, em especial aquelas voltadas para a educação e para a ciência.
Dos muitos exemplos que, infelizmente, têm sido coletados vejam a quantas andam o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Ciência e Tecnologia (FNDCT). A Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2021 assinada pelo executivo meses atrás, contingenciou 90% dos recursos disponíveis (5,5 bilhões) do FNDCT. Negociações no Congresso buscaram reafirmar o que já havia sido decidido pelo parlamento com a Lei 177/21. O ano está acabando e espera-se – do verbo esperançar – que o FNDCT seja capaz de nos próximos anos resistir à sanha daqueles que têm prioridades outras que não a ciência.
Nós, cidadãos, assistimos estupefatos e indignados – aparte a massa que aplaude entusiasmada qualquer desatino de extremismo ideológico – essa peça tragicômica representada cotidianamente no palco exuberante da terra plana brasiliensis.
Seria demais imaginar e esperar que pudéssemos pelo voto em 2022 interromper essa procissão abjeta. Quem sabe os “salvadores da pátria”, sempre de plantão, seriam alijados da oportunidade de continuarem ocupando cargos públicos e enfraquecendo as instituições democráticas. Resta, portanto, a esperança de que no processo eleitoral que se avizinha o povo brasileiro seja capaz de privilegiar aqueles que defendem a educação, a ciência, a vida, a cidadania, o respeito a diversidade e ao meio ambiente.
Porque se assim não for, não será mais do mesmo. Se assim não for, será tão somente a intensificação da estupidez.
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– Professor Dagoberto Alves de Almeida – ex-reitor da UNIFEI – mandatos 2013/16 – 2017-20
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Excelente texto.
Uma escrita que enche os olhos de aprendizado.
Parabéns